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A Engenharia, a Fome e a Dívida Pública

Foto do escritor: Amaury Castro Monteiro JrAmaury Castro Monteiro Jr

Atualizado: 19 de jul. de 2022

A grande maioria dos profissionais de Engenharia associados à Engenharia pela Democracia - EngD, até esse momento – julho de 2022, provavelmente não entenderá essa provocação no título e se perguntará: o quê tem a ver a Engenharia com a Fome e a Dívida Pública? Pergunta bastante pertinente devido ao perfil majoritário dos associados da EngD, nada a questionar de nossa parte.

Mas ousaríamos responder: TUDO! De forma seca e abrangente, sem medo de errar. Tanta presunção se baseia na observação de alguns pontos importantes do Orçamento Público Nacional que nos afetam diretamente, principalmente aos profissionais da Engenharia que estão desempregados, subempregados, precarizados, nas fábricas ainda existentes, nas oficinas, nos rincões longínquos desse país, nas plataformas, nas lavouras, na linha de frente de pequenas, médias ou grandes obras pelo Brasil todo.

No período após 2016, até o presente momento, virou modismo de alguns setores, apoiados pela grande mídia comercial e os seus economistas a serviço do chamado “mercado”, a propagação de ideologias que pregam o Estado Mínimo como a solução para todos os problemas do Brasil. Leia-se: para rentistas e banqueiros, já que se eles seguirem realizando cada vez maiores lucros e rentabilidade, isto seria o principal sinal de que o país “está bem”.

Mas essa política voltada para atender aos interesses de rentistas e banqueiros, majoritariamente, conseguiu destruir a nossa indústria na medida em que direcionou a política econômica a pagar juros mais altos que os obtidos através da obtenção de lucros da produção, criou uma roda financeira impressionante onde o dinheiro trabalha dia e noite e traz resultados apenas para uma camada extremamente reduzida da população, mas gera hordas de desempregados, miséria e fome e, pior: colocou o Estado Brasileiro a reboque disso, afinal quem paga as altas taxas de juros é o Estado (portanto os próprios cidadãos e cidadãs brasileiras, contribuintes) e quem ganha são os rentistas e os banqueiros (esta verdadeira entidade conhecida como “Mercado”), com isenções de impostos e taxas, além de uma série de incentivos, ilimitados.

A Operação Lava Jato tinha alguns endereços certos, entre eles: a destruição de nossas maiores e mais estratégicas empresas de infraestrutura, energéticas, da construção civil e logística, tais como a Petrobras, Eletrobrás, Nuclebrás, incluindo também a eliminação de nossas principais empresas de Engenharia de ponta: a estagnação do avanço de nossa economia, que progredia com alguns benefícios sociais (mínima distribuição de riquezas e acessos a direitos básicos) evidentes e palpáveis, com a transformação do país em mero produtor de matérias primas básicas e grande consumidor de produtos e tecnologia importados, entre outros objetivos não declarados.

Dentro desse pacote todo inclui-se o chamado “Teto de Gastos”, que foi explicitado e depois implantado como decorrência da chamada “Ponte para o Futuro” do Governo Temer (desdobramento golpista do lavajatismo), que nada mais é do que a amarra necessária para garantir que o Governo Brasileiro não seja sequer tentado a continuar a investir em infraestrutura, ciência, desenvolvimento, políticas e bem-estar social, ou seja, abdicando verdadeira histórica dívida e responsabilidade sociais, em nome da “responsabilidade fiscal”, uma manobra discursiva que, na realidade, omite para um segundo plano aquilo que é o principal para o Mercado: a garantia do progressivo e ilimitado pagamento, religioso, dos crescentes juros e serviços da Dívida Pública.

A PEC 95/2016, tornada a chamada “Lei do Teto de Gastos”, congelou investimentos públicos em todas as contas voltadas para o social como educação, saúde, habitação, cultura, ciência e tecnologia e em 15 de dezembro de 2016, estabeleceu o Novo Regime Fiscal - NRF no âmbito dos Orçamentos Públicos e da Seguridade Social da União, o qual até segunda ordem vigorará por vinte exercícios financeiros. Apenas o pagamento de juros e a amortização das dívidas não foram congelados. Vejamos então no que isso está resultando.

Quando focamos no infográfico orçamentário nacional em formato de pizza (figura abaixo – ampliada para facilitar a visualização) que compõe a distribuição de investimentos e amortizações públicas do Erário Nacional, fica evidente qual a relação entre o que esse país tem gastado para quitar serviços de uma dívida que só cresce e nunca se reduz, em comparação com o que sobra para girar o Estado e o Interesse Público como um todo.

É muito importante a visualização e análise cuidadosa deste gráfico, porque nele fica muito evidente que nesse país nunca se discute o principal, no caso desta verdadeira servidão nacional aos interesses de grandes players do mercado financeiro: o fato de que cerca de R$ 1,96 trilhões do Orçamento Público Nacional têm sido gastos, anualmente, para pagar juros e amortizações de uma dívida que nunca se amortiza, muito menos se reduz, e que nem sabemos se é verdadeira, que dizer se correta e justa.


Enquanto isso o país está estagnado a fome campeia novamente à escala das dezenas de milhões de pessoas. Segundo dados oficiais, recém apurados e publicados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras estão sob insegurança alimentar neste momento no Brasil (ou seja: passam fome, neste país que é um dos principais celeiros e exportadores de commodities alimentícias para o mundo); o desemprego se mantém em taxas altíssimas; o subemprego e demais precarizações são crescentes; profissionais com boa formação têm se submetido a postos de trabalho e funções que exigem conhecimento, mas remuneram ao valor de cargos menos complexos que não exigem tanta especialização (vide engenheiros empregados como analistas); há também uma crescente retirada ou fragilização dos direitos e garantias trabalhistas, previdenciárias e da seguridade social como um todo a médio e longo prazo, reduzindo horizontes e perspectivas do grosso da população brasileira, profissionais liberais e a chamada classe média incluídos; e assim por diante.

Para que nosso leitor tenha ideia mais detalhada dos pontos que estamos tocando, um verdadeiro disparate socioeconômico: em 2021, o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 50,78% de todo o Orçamento da União, e um aumento de 42% em relação ao valor gasto em 2020, o qual por sua vez já tinha sido 33% superior em relação a 2019. Portanto, nos últimos dois anos, os gastos financeiros com a dívida federal quase dobraram. Apesar desses vultosos pagamentos crescentes, ao invés de diminuir, em 2021 a Dívida Pública Federal aumentou R$ 708 bilhões, tendo crescido de R$ 6,935 trilhões para R$ 7,643 trilhões, sem que esta dívida esteja sendo sequer auditada, muito menos servindo para financiar investimentos infra estruturais e sociais para o nosso país.

A política do endividamento público crescente e perene - baseada em juros altos e sem contrapartida real em investimentos naquilo que interessa à sociedade brasileira e à consequente soberania nacional, funcionando como um “Sistema da Dívida” - inibe a atividade econômica e gera desemprego, além de transferir cada vez mais riqueza da classe trabalhadora para rentistas, principalmente grandes bancos. Desta forma, se impede a realização de relevantes investimentos em obras que o país necessita urgentemente, em áreas como habitação, saneamento, transporte público, rodovias, refinarias, plataformas de petróleo, sistemas de energias alternativas (eólica, solar), dentre muitas outras, que poderiam melhorar a infraestrutura disponibilizada à sociedade e favorecer o aumento do emprego, inclusive de engenheiros, com papel destacado e imprescindível em toda esta cadeia de investimentos e desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental efetivo.

A centralidade da dívida pública é inegável, pois essa dívida está por trás de todas as contrarreformas (previdência, “administrativa”, teto e corte de gastos, insanas privatizações), funcionando como um dos principais pilares do modelo econômico produtor de escassez em nosso rico Brasil.

Conforme registrado na série de balanços do Banco Central, R$ 754 bilhões (de 2009 a 2018; portanto cerca de R$ 1 trilhão atualizados monetariamente) foram pagos aos bancos, para remunerar diariamente a sua sobra de caixa, ou seja, todo o volume de recursos que os bancos não conseguem emprestar e, portanto, sobra em seu caixa. Desta forma, aumenta-se a taxa de remuneração dos bancos com a justificativa de enxugar o crédito de mercado, e supostamente ”controlar a inflação”; na verdade remunera-se o caixa que sobra e, portanto, os bancos têm risco zero. E qual a motivação dos bancos para colocar “a mercado” esta sobra de caixa a juros mais baixo? Nenhuma. Ganham diariamente, ainda mais, com Risco Zero!

Se não tocarmos e enfrentarmos este ponto fulcral, como iremos cumprir a agenda de transição energética e socioambiental, a Agenda 2030? Que papel que o Brasil vai assumir no contexto mundial sem recursos para investimento? Desta forma, não adianta levantarmos bandeiras e não apontar onde estão os recursos (para realizá-las efetivamente). O Brasil é rico, tem reservas, riquezas e biodiversidade natural imensas, tem garantias que ficam no caixa para cumprir as salvaguardas de pagamentos que os bancos exigem, mas a população segue passando necessidades extremas, e o Brasil sendo liquidado com a dilapidação de seu patrimônio público (dos recursos naturais aos econômico-financeiros) para pagar seus “compromissos” financeiros com um grupo extremamente restrito de rentistas.

Não enfrentando esta questão, estamos e seguiremos em um verdadeiro labirinto, ou beco sem saída!

Quando falamos de cumprir a agenda mínima de 2030, isso efeitos e impactos em toda a cadeia da sociedade: governo, empresas e também a todo terceiro setor, estamos falando da necessidade dos investimentos públicos em toda Amazônia, não apenas no bioma mas nas sociedades amazônicas, com responsabilidade ambiental: de onde vamos tirar recursos? Vamos passar a canequinha junto ao mercado comum europeu, EUA e China? Não existe jantar de graça.

Da mesma forma os demais biomas: a chamada “Amazônia Azul”, tão rica quão ignorada, com esta costa atlântica imensa, toda nossa rede fluvial, também subutilizada, o cerrado, a mata atlântica que ainda resta etc.

Nós, engenheiros e engenheiras, geralmente temos a cabeça mais cartesiana, e hão de entender o que estamos falando nesta carta-artigo dirigido sobretudo a vocês.

A questão das privatizações não é aspecto ideológico para nós e sim socioeconômico. Sem energia barata ninguém tem indústria e logística minimamente competitiva (internacionalmente).

Vejam os países da Europa, Ásia e o próprio EUA: a questão energética, principalmente a elétrica, é fator estratégico e diferencial competitivo nos próximos anos na sua maioria estatizada. Entregarmos a Eletrobras a preço de banana, não tem sentido. Depois de bilhões de históricos investimentos públicos nesta infraestrutura que cobre mais de 35% do território nacional. Estamos criando um monopólio privado sem concorrência. Não existe, na indústria e nas residências, 2 tomadas de energia para você escolher a mais barata. É um absurdo....

Onde vamos levantar recursos para cumprir a agenda mínima para o necessário desenvolvimento de um país, outrora (e não faz muito tempo) emergente e com destaque mundial?

Um dado importante a ser analisado: uma dívida desta monta tem um prazo médio calcado na dívida que encerrou 2021 com um prazo de 3,8 anos, acima dos 3,6 anos registrados no fim de 2020. Eis os vencimentos da dívida pública: até 12 meses: 21%; de 1 a 2 anos: 20,4%. Trata-se de uma situação insustentável.

Da mesma forma que as empresas, o Governo tampouco tem condições de se atrelar a este calendário draconiano de pagamento de juros e amortização, que pelo Sistema da Dívida somente cresce de valor principal.

Estamos falando de um país cheio de Agendas para solucionar, com uma carência absurda de investimentos públicos, para se nivelar no mínimo entre os 10 países mais promissores globalmente, em função de nossas riquezas e potenciais, principalmente quando o mundo todo se volta para a transição energética e socioambiental, a chamada “economia verde”, dentro da qual teríamos vantagens competitivas internacionais incomparáveis.

O Brasil deveria estar na frente desta discussão e projeto de transição histórica internacional, assumindo e reafirmando seu papel de liderança na nova economia verde global.

De modo que, nossos amigos engenheiros e engenheiras bem entenderão: não existe engenharia sem investimentos, especialmente investimento público. Estamos sumindo do mapa geral da economia global, e um país sem engenharia está fadado ao fracasso total a um prazo relativamente curto. Não tem progresso, não tem melhoria das condições de vida de nosso povo, alijado do processo econômico e social. Não existe democracia social e econômica sem Engenharia voltada para beneficiar a maior parte da população.

Este é o nosso papel e, desde início da fundação de nossa Associação, defendemos a democracia 3D: social, política e econômica.

Este documento tem o objetivo de resgatar o eixo de nossa luta e a gênese da EngD, pois para nós não basta a democracia política sem as demais democracias de nossa bandeira original : DEMOCRACIA 3D.

E nós, como profissionais da Engenharia Brasileira, além de referências sociopolíticas e ativistas em várias das nossas áreas de atuação e correlatas, temos que levantar esta bandeira bem alta, sob pena de ver as nossas profissões relacionadas a Engenharia, no sentido mais lato, cada vez mais perderem o protagonismo econômico, social e político, estratégico dentre as demais Agendas e ordem de prioridades da sociedade brasileira.

Neste ponto, uma pausa no raciocínio para relatar, a título de exemplo, uma triste realidade comprovada em campo. Um dos coautores deste texto, Amaury, foi um dos fundadores da Associação dos Engenheiros de São Bernardo do Campo, uma das mais ricas cidades do Estado de São Paulo, e fundador e primeiro presidente da Associação dos Engenheiros de Rio Grande da Serra, uma das cidades mais pobres do estado de São Paulo, também na Grande São Paulo. Nessas duas localidades (e regiões), a quantidade de profissionais da Engenharia desempregados, subempregados ou precarizados é de assustar. São profissionais que, nos últimos anos, tiveram que entregar suas casas e se sujeitar a morar no “puxadinho do fundo da sogra”, que brigam por um subemprego de Analista com salários ao redor de R$ 2.500,00, se tanto; que se batem por uma vaga de concurso para Engenheiro com valores muito inferiores ao piso da categoria e se dão por satisfeitos quando têm emprego em grandes multinacionais como Analistas e responsabilidades de Engenheiro.

Essa é uma triste realidade, infelizmente cada vez mais generalizada, sem contar a enorme quantidade de alunos de cursos de Engenharia que se formaram e, após anos tentando se inserir de maneira mais digna e promissora no mercado de trabalho, estão neste momento sendo obrigados a se dedicar a outras atividades, incluindo muitas vezes precisando recorrer ao complemento de jornada nos UBERs da vida, para sobreviver junto a suas famílias.

Eis a nua e crua, e muito triste realidade a ser enfrentada: este país está andando para trás, em meio a uma Ponte para um Futuro repleto de Passados, e queiram ou não os “Analistas do Mercado”: o grande indutor da Economia continua sendo o Estado. Este deveria estar dedicado ao pagamento das inúmeras e históricas dívidas e desafios sociais, ao invés de ser defendido com uma presença forte apenas quando pagar juros e amortizações das supostas dívidas financeiras de uma pequena turma de Faria Lima e associados. Nesta hora interessa um Estado, pagador, extremamente forte (mais de 50% do Orçamento Público da União dedicado/subordinado a eles, anualmente).

Há de se ter coragem e disposição para quebrar esse paradigma perverso de gerar renda astronômica para os financistas sem compromisso com a produção real e o interesse público, e fome, desemprego e miséria para a população em geral, inclusive para os profissionais de Engenharia.

E como se faz isso? Tendo a coragem de inverter a equação e forçando uma renegociação dessa dívida quanto a prazos, juros e valores, de forma a liberar pelo menos 20% a 30% ao ano desse total de 1,96 trilhões para investimentos, de imediato, nos diversos setores infraestruturais, socioeconômicos e mais estratégicos do país, bem como efetuar simultaneamente uma auditoria efetiva para avaliarmos o real valor desta dívida.

A Engenharia agradecerá, o povo agradecerá, a fome será combatida através de uma política de pleno emprego, de renda cidadã e a Economia vai girar e provocar investimentos em produção e na possível (e necessária) retomada do desenvolvimento de nosso país. Isso é música para nós, os profissionais de Engenharia! Pensem e reflitam a respeito! O debate está aberto.

Contamos com todos aqueles profissionais que entenderam a mensagem para colocarmos na ordem do dia o verdadeiro problema que temos que solucionar, pois não basta auxílio alimentação, que é vital neste momento. Entretanto, para o país atingir seu patamar de soberania e destaque na conjuntura mundial atual, precisamos fazer a lição de casa mais básica e inadiável, juntos.

Amaury Pinto de Castro Monteiro Jr – Presidente do Conselho Deliberativo EngD

José Luiz de Cerqueira Cesar – Coordenador Relacionamento Institucional EngD

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