Por José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro, Conselheiro da EngD e presidente da FerroFrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias)
Defensores da privatização adoram citar números que justifiquem a vendas de ativos que pertencem ao povo. Esquecem – ou fazem de conta que ignoram – que o interesse público nem sempre segue a lógica fria dos números.
Processos de concessão de serviços de transporte público à iniciativa privada partem do ilusório pressuposto de que a operação será mais eficiente com a mudança, o que nem sempre é verdade – basta lembrar dos frequentes episódios de acidentes e interrupções nas linhas 8 e 9 da CPTM, em São Paulo, hoje sob a gestão da concessionária privada ViaMobilidade. Porém, há aspectos mais importantes nessa discussão e que precisam ser considerados, antes que se defina pelo início de um processo que, no caso da CPTM, pode evoluir para a venda de toda a companhia.
Quando falamos em privatização ou concessão nesse modelo, precisamos pensar em indicadores de qualidade e em planos de investimento para garantir a melhoria, continuidade e adequação tecnológica por trinta anos. E isso demanda um ambiente regulatório forte, com fiscalização firme. Do contrário, nada disso acontecerá na prática.
Imaginem conceder toda a operação dos ramais urbanos de trem na região metropolitana de São Paulo, um serviço que atende diariamente a milhões de pessoas diariamente, sem ter uma fiscalização à altura de sua missão?
Falando especificamente da CPTM, uma análise mais aprofundada dos números revela que a empresa possui plenas condições de se manter sob a gestão pública, atrelada a políticas de expansão e integração de interesse de toda a população.
A receita acumulada da CPTM em 2021 foi de R$ 2,7 bilhões, levando-se em consideração fatores como o aumento da demanda, a subvenção para a operação e o aumento expressivo das receitas não tarifárias – que tiveram um acréscimo de aproximadamente 74%, atingindo o valor de R$ 150 milhões.
Em seu relatório, a CPTM destacou ainda várias iniciativas importantes de concessão para a exploração de espaços comerciais, publicitários e de máquinas de recarga, que podem vir a incrementar a receita.
Atualmente, a relação percentual dos recursos obtidos pela CPTM se divide entre receitas tarifárias (48,2%), receitas do tesouro do estado (46,5%) e receitas não tarifárias (5,3%).
Em contrapartida, os valores relacionados às despesas operacionais aumentaram no ano de 2021, acumulando o valor total de R$ 2,4 bilhões. Dentre os valores de maior relevância estão o investimento com pessoal, manutenção e depreciação/amortização.
As despesas administrativas registraram queda de aproximadamente 12% quando comparadas ao ano anterior, somando R$ 424 milhões. Destacam-se o gasto com pessoal, indenizações e o sistema de bilhetagem eletronica.
É importante ressaltar que, apesar de um resultado deficitário em âmbito financeiro, a CPTM cumpre um importante papel social através da mitigação de gastos gerados pela operação do transporte ferroviário.
Somente em 2021 a operação da CPTM contribuiu para uma economia global de R$ 9,23 bilhões em recursos. Dentre os fatores de maior relevância estão a redução no tempo de viagem (R$ 4,9 bilhões), redução na operação de ônibus e automóveis (R$ 2,7 bilhões) e redução no consumo de combustíveis (R$ 1 bilhão).
Esses são números que realmente interessam e que nem sempre são considerados quando se levanta a hipótese de privatizar a CPTM.
Investir numa CPTM pública e de qualidade significa atender às expectativas não só da economia, mas de toda a sociedade.
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