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Terras Raras e Minerais Críticos: Os Pilares Ocultos da Tecnologia Moderna e da Transição Energética

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A corrida pelo domínio científico-tecnológico


Autor: Eng. Miguel Manso



Os elementos conhecidos como Terras Raras e os Minerais Críticos representam um grupo de elementos químicos de extrema importância para a sociedade contemporânea. Embora pouco conhecidos pelo público em geral, suas propriedades únicas os tornam insubstituíveis em uma vasta gama de aplicações, desde smartphones e veículos elétricos até sistemas de defesa avançados. Este artigo explora a definição, a importância estratégica, a distribuição geográfica desigual e os desafios na produção e refino desses recursos, com foco especial no contexto brasileiro.


O que são Terras Raras e Minerais Críticos?


As Terras Raras não são "terras" nem necessariamente "raras". O termo se refere a um conjunto específico de 17 elementos químicos metálicos: os 15 lantanídeos (elementos de número atômico 57 a 71 na Tabela Periódica) mais o Escândio e o Ítrio. O que os torna especiais são suas propriedades físico-químicas únicas, como magnetismo, luminescência e condutividade, que são cruciais para a miniaturização e a alta eficiência de dispositivos tecnológicos.

Já os Minerais Críticos são um conceito mais amplo e estratégico, definido por países e blocos econômicos com base no risco de interrupção do fornecimento e na sua importância para a economia e a segurança nacional. Esta categoria inclui elementos como:

  • Lítio e Cobalto: essenciais para a produção de baterias de íon-lítio.

  • Níquel: Utilizado em ligas de alta resistência e também em baterias.

  • Grafite: Ânodo fundamental para as baterias e para a produção estratégica do Grafeno.

  • Nióbio: (de grande relevância para o Brasil) Utilizado em superligas para a indústria aeroespacial e automotiva.


Importância: Por que São Fundamentais para o Nosso Futuro?


A relevância desses minerais pode ser dividida em três pilares principais:


a) Indústria de Alta Tecnologia:Praticamente todo dispositivo eletrônico moderno contém terras raras. O neodímio, por exemplo, é vital para a criação de ímãs permanentes superpoderosos usados em discos rígidos, fones de ouvido, alto-falantes e motores de precisão. O európio e o térbio são responsáveis pelas cores vibrantes das telas de TVs e smartphones.

b) Transição Energética:Este é talvez o papel mais estratégico atualmente. A descarbonização da economia global depende diretamente desses minerais:

  • Veículos Elétricos (VEs): Requerem ímãs de neodímio para motores eficientes, lítio, cobalto e níquel para baterias, e grafite para ânodos.

  • Turbinas Eólicas: Geradores de turbinas eólicas de alto desempenho utilizam ímãs permanentes de terras raras para maximizar a eficiência na conversão de energia.

  • Painéis Solares: Algumas tecnologias de painéis solares avançadas dependem de elementos como o índio e o telúrio.

c) Defesa e Segurança Nacional:Sistemas de miras e guias de mísseis, lasers, sonares, radares, satélites e aviões de combate (como o F-35) utilizam ligas e componentes de terras raras e minerais críticos para seu funcionamento de ponta.


Distribuição Geográfica: Uma Concentração Estratégica


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As reservas globais desses recursos são notoriamente concentradas em poucos países, criando uma dependência geopolítica significativa:

  • China: Domina esmagadoramente a cadeia de terras raras, respondendo por cerca de 60-70% da produção mundial e, mais criticamente, por mais de 85% do refino.

  • Chile e Austrália: São os maiores produtores de lítio, elemento-chave para a revolução dos veículos elétricos.

  • República Democrática do Congo: Responde por aproximadamente 70% da produção global de cobalto.

  • Brasil: Possui um potencial significativo, sendo detentor de uma das maiores reservas de terras raras do mundo, localizadas principalmente no complexo de Araxá (MG), que também é uma fonte importante de nióbio. O país também tem jazidas de lítio, grafita e outros minerais estratégicos.


Análise Quantitativa das Reservas Brasileiras


1. Terras Raras (TR)


As Terras Raras são frequentemente reportadas como um grupo, mas é crucial diferenciar entre Reservas Totais (todo o grupo) e a produção real, que é dominada por alguns elementos-chave como Neodímio (Nd), Praseodímio (Pr) e Disprósio (Dy).

País

Reservas de Terras Raras (Toneladas)

Participação Global Aproximada

China

44 milhões de toneladas

~ 34%

Vietnã

22 milhões de toneladas

~ 17%

Rússia

21 milhões de toneladas

~ 16%

Brasil

21 milhões de toneladas

~ 16%

Índia

6,9 milhões de toneladas

~ 5%

Análise para o Brasil:

  • Do que se conhece até o momento, o Brasil possui a 4ª maior reserva de Terras Raras do mundo, empatado tecnicamente com a Rússia.

  • A principal província mineral é o Complexo Carbonatítico de Araxá (MG), mas existem outras ocorrências importantes em Serra Verde (GO), Pitinga (AM) e no estado do Rio de Janeiro.

  • O grande desafio brasileiro não é a quantidade, mas a capacidade de refino. Enquanto a China produz mais de 70% do total refinado, o Brasil ainda está em fase de desenvolvimento de sua cadeia produtiva, com projetos em andamento para dominar a separação individual dos elementos.


2. Minerais Críticos Específicos


Aqui a posição do Brasil varia drasticamente, indo de uma posição de domínio global a uma participação insignificante.

a) Nióbio (Nb)O mineral crítico onde o Brasil é hegemônico.

País

Reservas de Nióbio (Toneladas)

Participação Global Aproximada

Brasil

16 milhões de toneladas

~ 95%

Austrália

~ 700 mil toneladas

~ 4%

O Brasil detém um monopólio virtual das reservas mundiais de nióbio, concentradas principalmente em Araxá (MG) e Catalão (GO). O nióbio é essencial para a produção de aços de alta resistência e superligas usadas em gasodutos, automóveis, aviões e turbinas.

b) Lítio (Li)Um mercado em rápida expansão onde o Brasil tem potencial significativo.

País

Reservas de Lítio (Toneladas)

Participação Global Aproximada

Chile

9,3 milhões de toneladas

~ 32%

Austrália

7,3 milhões de toneladas

~ 25%

Argentina

2,7 milhões de toneladas

~ 9%

China

2,0 milhões de toneladas

~ 7%

Brasil

250 mil toneladas

~ 0,9%

  • Embora a participação nas reservas pareça modesta, o Brasil possui a 6ª maior reserva de lítio do mundo.

  • O potencial é considerado subestimado. Grandes projetos em desenvolvimento, especialmente em Vale do Jequitinhonha (MG) e na região de Uberaba (MG), podem colocar o Brasil entre os maiores produtores globais na próxima década, dado o interesse de grandes empresas no "Triângulo do Lítio" da América do Sul (que inclui Argentina e Chile).

c) Grafita Natural: Essencial para ânodos de baterias de íon-lítio e produção do Grafeno.

País

Reservas de Grafita (Toneladas)

Participação Global Aproximada

Turquia

100 milhões de toneladas

~ 28%

China

73 milhões de toneladas

~ 20%

Brasil

72 milhões de toneladas

~ 20%

Moçambique

30 milhões de toneladas

~ 8%

O Brasil é o 3º maior detentor de reservas de grafita do mundo, com depósitos de alta qualidade no estado da Bahia e em Minas Gerais. Assim como com o lítio, há um grande impulso para expandir a produção e o refino para atender à demanda das fábricas de baterias.

d) Cobalto (Co)Um mineral crítico com sérias questões geopolíticas.

País

Reservas de Cobalto (Toneladas)

Participação Global Aproximada

Rep. Dem. do Congo

4,0 milhões de toneladas

~ 70%

Indonésia

600 mil toneladas

~ 5%

Austrália

1,5 milhão de toneladas

~ 20%

Cuba

500 mil toneladas

~ 7%

Brasil

~ 90 mil toneladas

~ 0,1%

As reservas brasileiras de cobalto são pequenas em escala global. O cobalto no Brasil é geralmente um subproduto da produção de níquel, como em Brasil Níquel (PA). A participação é marginal perante a dominância absoluta do Congo.

e) Níquel (Ni)Importante para aços inoxidáveis e baterias.

País

Reservas de Níquel (Toneladas)

Participação Global Aproximada

Indonésia

21 milhões de toneladas

~ 22%

Austrália

21 milhões de toneladas

~ 22%

Brasil

16 milhões de toneladas

~ 16%

Rússia

7,5 milhões de toneladas

~ 8%

O Brasil possui a 3ª maior reserva de níquel do mundo, majoritariamente na forma de laterítica (como em Goiás e Pará), que é a mesma forma explorada na Indonésia e nas Filipinas. Isso coloca o país em uma posição estratégica forte.


A tabela abaixo sintetiza a posição global do Brasil para cada mineral:

Mineral

Posição do Brasil no Ranking Global

Participação nas Reservas Mundiais

Nióbio

1º Lugar

~ 95%

Níquel

3º Lugar

~ 16%

Grafita

3º Lugar

~ 20%

Terras Raras

4º Lugar

~ 16%

Lítio

6º Lugar

~ 0,9% (potencial subestimado)

Cobalto

Fora do Top 10

~ 0,1%

Os dados quantitativos revelam que o Brasil é uma potência mineral de primeira grandeza no cenário global de minerais críticos. O país não é apenas um "detentor de reservas", mas um líder absoluto em nióbio e um ator de top 5 em níquel, grafite e terras raras.



Produção e Refino: O Verdadeiro Gargalo


Possuir reservas no subsolo é apenas o primeiro passo. O grande desafio, e onde reside o verdadeiro poder geopolítico, está no refino. O processo de transformar o minério bruto em elementos puros e utilizáveis é complexo, caro e ambientalmente desafiador. Envolve o uso de grandes quantidades de água, produtos químicos e gera resíduos radioativos, como no caso das terras raras.

A China não só possui as maiores reservas, mas também investiu maciçamente na capacitação tecnológica para dominar todo o processo de refino. Isso significa que, mesmo que outros países extraiam seus minérios, muitas vezes precisam enviá-los para a China para serem processados, criando uma vulnerabilidade crítica nas cadeias de suprimentos globais.

O desafio estratégico, portanto, não está na geologia, mas na economia e na política industrial. Para converter esse potencial geológico em riqueza e soberania tecnológica, o Brasil precisa:

  1. Dominar a cadeia de valor: Ir da mineração ao refino e à produção de componentes (e.g., baterias, ímãs, superligas).

  2. Atrair investimentos em infraestrutura e processamento.

  3. Implementar uma governança mineral que equilibre a exploração com a sustentabilidade ambiental e social.


Terras Raras e Minerais Críticos são, portanto, muito mais do que simples elementos da tabela periódica. Eles são a base material da Quarta Revolução Industrial e da transição para uma economia de baixo carbono. A concentração de sua produção e refino em um número reduzido de nações representa um risco estratégico para países importadores, impulsionando uma nova "corrida global por recursos".

Para o Brasil, a existência de reservas expressivas representa uma oportunidade histórica de não apenas se tornar um player global neste mercado, mas também de agregar valor internamente, desenvolvendo tecnologia e indústrias nacionais. O desafio será equilibrar a exploração econômica com a sustentabilidade ambiental e social, garantindo que estes recursos finitos se traduzam em desenvolvimento duradouro para a nação. A era dos metais comuns pode estar chegando ao fim, e a era das Terras Raras e Minerais Críticos já começou.




Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.


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