Histórias de Pioneiros em Brasília
- EngD
- 12 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de jun.
Henrique Luduvice
A transferência da família Luduvice para a nova Capital Federal

Em abril de 1960, o cidadão Luciano Luduvice, nascido no Estado de Sergipe, formado em Direito e residente no Rio de Janeiro desde 1954, recebeu um convite do Banco do Brasil. Ele, que iniciara sua trajetória de trabalho em Aracaju aos 14 anos, no comércio, e adentrara naquela instituição bancária aos 19 como concursado, fora instado a se transferir e exercer sua carreira em Brasília. Afinal, a sede daquela insigne organização seria transladada para a nova Capital Federal, inaugurada naquele mês pelo então Presidente da República, Juscelino Kubitscheck.
Ao retornar do expediente, dialogou sobre tais circunstâncias com sua esposa Maria Elisa, também sergipana e radicada na Cidade Maravilhosa, desde a união de ambos em matrimônio no ano de 1955. Ela, uma mulher muito à frente do seu tempo, graduada em Geografia e História, desempenhava suas atividades profissionais no Ministério da Fazenda. Este fato ensejaria a obrigatoriedade de entendimentos suplementares com tão relevante ente da administração direta brasileira.
Na ocasião, o casal residia em imóvel próprio, não obstante de pequenas dimensões, no bairro do Leblon na Zona Sul. Detinham dois Filhos, Henrique (1957) e Maurício (1958), além de uma Filha, Magna, praticamente recém-nascida, pois viera a este mundo em fevereiro de 1960. Destaque-se que, de imediato, ambos se entusiasmaram com a proposta. Inclusive com a ideia de desbravarem perspectivas e horizontes territoriais. Porém, existiam fatores supervenientes a serem mais bem examinados.
Consigne-se que as futuras “Super Quadras do Banco do Brasil, localizadas na Asa Sul (308, 114 e 714)”, encontravam-se em fase de construção. Ainda longe de serem concluídas. A Família, caso aceitasse aquela proposição, deveria residir de modo temporário na denominada “Lâmina” (Acampamentos de Madeira, instalados onde hoje estão construídas as SQS 103 e 104).

Esta situação perduraria até que as Edificações contratadas, com os respectivos apartamentos, fossem entregues em definitivo ao Banco. Na sequência, este colocaria à disposição de seus colaboradores, mediante contratos de compra e venda, que, na altura, aparecia em regime de elaboração.
Necessário se faz realçar que não era simples, naquele tempo, persuadir empresários, profissionais, trabalhadores, funcionários de empresas estatais e servidores públicos a se entusiasmarem com uma mudança para Brasília. Principalmente para aqueles que habitavam nas principais metrópoles, em particular na cosmopolita Rio de Janeiro, antigo estuário do poder da República.
Afinal, a rotulada “Capital da Esperança” era uma Cidade “situada no meio do nada”, como se afirmava comumente à época. Em síntese, salvo excepcionalidades, o Brasil considerado atraente e moderno assentava-se na faixa mais próxima do litoral, ao longo do Oceano Atlântico.
Além disso, na ocasião, os Estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste não ofertavam oportunidades nas proporções demandadas, o que provocava fluxos de migração de suas populações, muitas vezes em massa, para o Sudeste e, em menor escala, para o Sul.
Analisando o contexto, a dupla decidiu que, em razão das situações observadas e da idade dos Filhos, deveriam demonstrar interesse, embora exibindo argumentações consentâneas com suas realidades. A Família estaria disposta a encarar os desafios de migrar para o Distrito Federal e enfrentar a conjuntura de pioneirismo que tal decisão representava, no estágio em que se viabilizasse a entrega das residências para os funcionários do Banco. Dependendo, com certeza, dos cenários futuros e das propostas.
Visando uma avaliação mais precisa da abrangência e dimensão daquele quadro nacional, ressalte-se que o deslocamento de contingentes populacionais para um Planalto Central observado como distante e inóspito, sem quaisquer atrativos em termos de diversão e lazer, exigia vocações empreendedoras, com visões prospectivas. Acrescidas de significativa confiança nos projetos da Nação.
Afinal, era de domínio coletivo que uma iniciativa de tal magnitude exigiria, no transcurso das décadas seguintes, a viabilização de expressivos aportes financeiros, aspirando nivelar o centro geográfico às áreas mais avançadas do País. Dispor-se-ia de recursos para atingir os objetivos delineados? Os governos posteriores manteriam as convicções? Brasília se afirmaria como polo governante? Esses e outros questionamentos perpassavam as mentes e corações.
Adicione-se que esses aventureiros se somariam àqueles destemidos que atendendo ao chamado inicial se dispuseram a construir, no longínquo cerrado, a nossa Brasília, Capital do Brasil. Esta restou consagrada como o verdadeiro embrião da conquista, interiorização e implantação do progresso em territórios reputados como remotos. Induziu, outrossim, a instauração de um modelo de produção agrária revolucionário no País.
Impõe realçar que parcelas referenciais desses precursores, necessários ao funcionamento dos três poderes, organizações, empresas, escolas, hospitais e autarquias públicas foram solicitados a promover uma monumental guinada nas suas vidas pessoais, educacionais e afins. Da mesma forma, nos planejamentos de suas existências sem os ambientes e vizinhanças nos quais se mostravam inseridos.
Enfatize-se, ademais, que na realidade de então, o Governo Federal e as demais unidades componentes do Estado brasileiro envidaram significativos esforços no intento de convencer seus colaboradores, oriundos de variadas localidades e ecossistemas de um País continental, a aceitarem democraticamente suas movimentações para Brasília.
As soluções utilizadas: valer-se dos instrumentos de incentivo disponíveis no âmbito do Estado, com o intuito de alcançar as metas estabelecidas. Em fases posteriores, com a consolidação da Capital, estas políticas seriam superadas e extintas.

O Banco do Brasil, por exemplo, ofereceu ao dispositivo funcional um arcabouço que incluía a Dobradinha (duplicação salarial) agregada de Financiamento por 15 anos para a aquisição de um imóvel recém-construído na Asa Sul, sob a supervisão da própria unidade bancária. Esta propriedade seria considerada quitada com a conclusão dos 180 pagamentos consecutivos, correspondentes ao prazo estabelecido em contrato.
Faz-se obrigatório reconhecer que seriam desconsiderados eventuais saldos devedores provocados por uma inflação que em determinados exercícios superava as correções previstas, ocasionando resquícios de suposta acumulação de passivos.
Em fevereiro de 1962, transcorridos quase dois anos da mensagem original, o Banco do Brasil informou a Luciano Luduvice, por meio do departamento em que o tema permanecia vinculado, que os imóveis se achavam prestes a serem vistoriados e recebidos pela estrutura interna designada como responsável. De imediato, em sintonia com sua Esposa e Filhos, se comprometeram a seguir em direção ao Distrito Federal.
Neste quadro, Maria Elisa, do alto de sua qualificação profissional, entrou em entendimentos acerca de tais aspectos no Ministério com o qual possuía vínculos. Pleiteou em paralelo, também por ofício, a sua remoção para a nova Capital. Em razão da qualidade dos conteúdos e das argumentações apresentadas teve seu pleito, de plano, atendido.
Com a observância dos trâmites e ritos internos, Luciano Luduvice foi transferido naquele mês, pelo Banco do Brasil, para Brasília. Seguiu, de forma isolada. Habitou na “Lâmina”, sem a Esposa e Filhos, durante dois meses até a recepção das “chaves” da futura habitação, posicionada na SQS 308. Neste período, retornava ao RJ nos finais de semana, sempre que possível, expressando as saudades e o propósito de manter as informações atualizadas. A distância tornava mais evidente a importância de rever, afagar, interagir e compartilhar os sonhos com os demais membros da Família.
Após alcançar o intento de ser contemplado com os documentos oficiais referentes à moradia que seria incorporada pela unidade familiar, regressou ao Rio de Janeiro visando ultimar providências para a mudança definitiva de todos para Brasília.
Destaque-se que Maria Elisa estava grávida do quarto e último filho do casal, Ricardo, que nasceria no outubro seguinte como um “autêntico brasiliense”. Na linguagem popular, este seria um “verdadeiro candango”.
Considerando o número de Filhos e a própria gravidez, acordou-se que Maria Elisa iria para Brasília de avião com as “quatro” crianças. Embarcaram na companhia das respectivas Senhoras e Parentes de outros funcionários do Banco que, de forma articulada, se locomoveriam em eventos conexos do Rio de Janeiro para Brasília.
Luciano rumou para Brasília dirigindo uma “Vemaguet”, em caravana com outros quatro Colegas de Banco do Brasil que, a seu exemplo, haviam despachado seus consanguíneos de avião. Eles conduziam os veículos de suas propriedades para Brasília em uma rota longa. As estradas, bem como as possibilidades de abastecimento de combustível, manutenção e descanso, no tempo desta narrativa, eram precárias e desprovidas do suporte adequado.
Registre-se que as oficinas mecânicas, naqueles trechos, eram raras. Os veículos não possuíam a autonomia dos atuais. Exigiam trocas de óleo em curtas quilometragens. E quebravam com frequência alarmante. Havia dificuldades de comunicação no percurso. A viagem em grupo objetivava atender possíveis intercorrências e auxílios mútuos. Que, felizmente, não ocorreram em escala digna de qualquer menção.
Cumprido o ciclo de transição, a Família se reencontrou em Brasília. Experimentaram a sensação de situarem-se mais uma vez no mesmo espaço físico. Exultaram com o despertar de uma etapa que transformaria suas vidas.
Assim, iniciou-se a história da Família Luduvice no Distrito Federal.
Poderia ter sido menos longeva, pois nas primeiras conjecturas admitia-se a possibilidade de permanecer alguns anos, economizar valores e inverter o sentido da viagem, volvendo ao Rio de Janeiro.
Mas, o enraizamento, a adaptação plena e o amor por Brasília ecoaram forte. O casal entendia este reconhecido Patrimônio Cultural da Humanidade como “o melhor lugar do planeta para criar os quatro Filhos”. E, naturalmente, os sete Netos e três Bisnetos brasilienses (um a caminho), que se seguiram. Este conjunto forma, com suas aptidões, uma verdadeira coletividade engajada na defesa do Distrito Federal.
Luciano e Maria Elisa acreditaram e investiram em Brasília que, em contrapartida, os envolveu e abraçou de forma calorosa. Viveram felizes na Cidade onde ergueram Filhos, Netos e Bisnetos até 2021, quando ambos faleceram. Ele, no mês de fevereiro, aos 93. Ela, em agosto, com 91. Após terem celebrado 66 anos de casados. Partiram em paz, pois cumpriram, com extraordinário louvor, as missões que assumiram em vida.
O Engenheiro Civil Henrique Luduvice foi Presidente do CREA/DF, MÚTUA e CONFEA, Diretor Geral do DER/DF, Secretário de Transportes do DF e Presidente dos Conselhos Rodoviário, do Metrô e de Transportes do Distrito Federal.
Ele também conta histórias da Universidade de Brasília: https://www.engd.org.br/post/hist%C3%B3rias-da-universidade-de-bras%C3%ADlia
Comments