UMA CHANCE PERDIDA
- Alexandre Santos
- há 23 minutos
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Alexandre Santos

Os relatórios oficiais dão conta que, com a retomada do crescimento decorrente das politicas econômicas do governo Lula, a engenharia brasileira entrou em ritmo de recuperação e crescimento, tendo faturado cerca de R$ 150 bilhões. Isto é muito bom, mas está longe de acolher os sonhos da banda consciente da engenharia nacional, a qual almeja, não só a realização de bons resultados comerciais, mas, também, o exercício de protagonismo, especialmente naquilo que diz respeito ao estabelecimento das políticas capazes de levar o País a patamares superiores de desenvolvimento econômico e social.
Sob este aspecto, especialmente se forem consideradas as possibilidades abertas com o processo de modernização da Lei 5.194, o ano de 2025 chega ao fim impondo uma derrota à banda consciente da Engenharia brasileira. Com efeito, o ano em curso foi marcado por poucas discussões em torno do projeto-de-lei 1.024 proposto ainda pelo ministro bolsonarista Paulo Guedes com o objetivo de desnacionalizar a Engenharia praticada no Brasil, escancarando-a às empresas estrangeiras.
A reação à proposta original do PL 1024 refletiu os sentimentos que animam as bandas que compõem a Engenharia brasileira - de um lado, os conservadores que repudiam a ideia de que a Engenharia seja arte, ciência e filosofia, considerando-a apenas como mero instrumento do universo das técnicas e, de outro [lado], os progressistas e humanistas, que veem a Engenharia por um viéis mais largo, considerando-a como elemento estratégico do processo de crescimento econômico, de fortalecimento da soberania nacional e de promoção do bem-estar social.
Neste embate, a banda conservadora (que é majoritária) levou vantagem e conseguiu sufocar o debate sobre o PL 1.024, expurgando-o inclusive do 12º Congresso Congresso Nacional de Profissionais realizado em outubro na cidade de Vitória.
Assim, limitada a poucas ambiências, entre as quais se destaca a série ‘Engenharia & Desenvolvimento’ levada adiante pelo Canal Arte Agora, a necessária discussão do PL 1.024 não prosperou e, ao invés de fazê-lo evoluir à condição de ‘Marco da Engenharia Brasileira’, [a discussão do PL 1.024] ficou restrita a aspectos corporativistas, limitados aos interesses dos profissionais, das entidades que os representam e dos dirigentes do sistema CREA-Confea.
No projeto-de-lei aprovado pela Câmara dos Deputados e - sob os naturais sorrisos e salamaleques dos setores conservadores satisfeitos com modificações superficiais introduzidas no projeto original proposto por Paulo Guedes - já encaminhado ao Senado, não há qualquer referência ao caráter estratégico da Engenharia para os processos de crescimento econômico, de fortalecimento da soberania nacional e de promoção do bem-estar social.
O PL 1.024 que começa a tramitar no Senado trata a engenharia como mera técnica, como se a profissão dos engenheiros estivesse limitada a aplicação e desenvolvimento das normas técnicas ou a assumir a responsabilidade pelas obras e serviços. Não é isso o que a banda humanista, progressista e consciente deseja para a Engenharia, cujo alcance transcende a mera técnica, inclusive por introduzir um modo de pensar decorrente da experiência de quem constrói o mundo artificial no processo decisório dos projetos de interesse da sociedade.
Não basta à Engenharia a celebração de contratos comerciais rentáveis para as empresas do ramo ou a geração de empregos bem remunerados para seus profissionais. Por todas as razões, inclusive por ser a construtora do mundo artificial e por ter expressiva participação no PIB do País, a Engenharia e os engenheiros querem exercer protagonismo no processo decisório e ter maior influência sobre os mecanismos de decisão e de formação de opinião.
Vale lembrar que, em muitas quadras da história do País, empresas de engenharia exerceram enorme poder sobre as três esferas governos e isto, embora as tenha enriquecido (enriquecido as empresas), não representou o ‘protagonismo da Engenharia’ desejado, pois não deu qualquer contribuição para o exercício da soberania nacional, para o crescimento econômico ou para a conquista de patamares superiores de bem-estar social.
Na realidade, para que a Engenharia possa alcançar efetivo protagonismo no processo político, social e econômico, há a necessidade de esta condição ser exercida por aqueles que diretamente a operam. De fato, enquanto os engenheiros, arquitetos, agrônomos e geocientistas não exercerem efetivo protagonismo político, social e econômico, não há como se falar em Protagonismo das Engenharias - no máximo haverá protagonismo de algumas empresas de algumas entidades e de alguns líderes profissionais, mas não protagonismo das Engenharias.
Nesta perspectiva - ao não firmar a Engenharia como elemento estratégico do processo de desenvolvimento e não referir-se ao protagonismo que dela se espera, limitando-se a aspectos corporativos -, o projeto-de-lei em discussão no Congresso Nacional representa uma derrota para a Engenharia brasileira, a qual perdeu uma chance de formalizar o ‘Marco da Engenharia Nacional’, que, junto com aspectos de interesse dos profissionais, das empresas do setor, das entidades representativas e do ensino das técnicas, a definida como elemento estratégico ao qual deve-se garantir participação nos processos de formação de planos e projetos de interesse do Brasil e do Povo Brasileiro.
(*) Alexandre Santos é engenheiro civil, ex-presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, coordenador-geral da série ‘Engenharia & Desenvolvimento’ e membro da Academia Pernambucana de Engenharia

