1980 - 0 dia em que a República de São Bernardo do Campo venceu a Ditadura Militar
É preciso reavivar essa e outras histórias de um passado não tão distante para que possamos refletir sobre o relativo grau de acomodação que os partidos políticos, os movimentos sindical, estudantil e sociais estão vivendo nos dias de hoje, em plenos anos 2022, onde os meios de comunicação são fartos, os níveis de organização são parcos e os compromissos com a Defesa da Pátria, a Defesa de sua Soberania, a Defesa de Direitos dos Trabalhadores, a Defesa da Ciência, a Defesa da Educação e tantas outras defesas de um pais em processo acelerado de destruição são urgentes e inadiáveis.
Essa é uma narrativa que reflete a vivência real de um militante de esquerda que lutou contra a Ditadura Militar, desde o final dos anos 1960; não é algo da qual o autor ouviu falar,,,
OS ANTECEDENTES
A partir do final dos anos 1970, algo de novo começou a surgir no movimento sindical do ABC paulista. As greves de natureza econômica e por melhores condições de trabalho começaram a se organizar e a ganhar força nas cidades de São Bernardo do Campo, Santo André, Diadema e Mauá..
Desse movimento surgiram diversas novas lideranças, entre as quais a maior delas o Luís Inácio da Silva – o LULA. É importante destacar a liderança inconteste e s capacidade de interlocução com a classe trabalhadora por parte do LULA, ele falava e emitia as mensagens certas para a massa trabalhadora ansiosa por uma liderança forte e confiável.
Tive a oportunidade de acompanhar muitos discursos, reuniões, assembleias em que o Lula era a figura central. Ele, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, era a grande liderança dos trabalhadores da cidade e de Diadema, onde estavam instaladas as grandes montadoras de automóveis do país.
O empresariado, representado pela Fiesp, relutou, mas teve que reconhecer que o interlocutor do movimento operário era o LULA naquele período.
Em abril de 1980, após vários movimentos grevistas vitoriosos em 1978 e 1979, os metalúrgicos da região paralisaram as atividades das montadoras e das indústrias metalúrgicas de São Bernardo do Campo e Diadema e, com a experiência acumulada pelos movimentos anteriores logo estruturaram as estruturas para a sustentação de um movimento organizado e prolongado,
Durante a greve fiquei responsável pelo abastecimento de leite e mantimentos para o Fundo de Greve de Santo Andre. Em compras maiores, abastecíamos o Fundo de greve de São Bernardo com compras feitas no Ceasa. Mas devo ressaltar que, naquele período, havia uma integração grande entre o movimento grevista e a população das cidades, e isso a ditadura não conseguia estancar. Não paravam de chegar doações, inclusive de produtos escassos, como o leite, produto vital para alimentação das crianças.
Durante todo o mês de abril de 1980 o movimento cresceu, recebeu apoios importantes dos movimentos sociais, dos partidos políticos à época clandestinos, mas muito atuantes, da igreja progressista, da imprensa, do poder público local, dos Senadores da República e como já dito da população das cidades onde o movimento avançava.
A Ditadura fez movimentos com o objetivo de quebrar a coluna e a cabeça do movimento, que só fortaleceram a greve: prendeu os dirigentes dos sindicatos da região e obrigou outros dirigentes a se refugiarem nas igrejas. Ledo engano, o movimento continuou forte num enorme crescendo e com enorme apoio da população, das igrejas e da mídia, apesar da censura da época.
O dia 01 de maio de 1980
Para o dia 01 de maio de 1980 foi marcada uma missa e logo após uma passeata rumo ao Estádio da Vila Euclides, onde aconteceriam as grandes assembleias do movimento. Naquele dia a população juntou-se aos operários em greve e desceu para a praça da Matriz para assistir à missa e participar dos atos seguintes.
O Exército e as Forças de Segurança da Ditadura também estavam a postos. Bloquearam o fluxo de pessoas provenientes de São Paulo e de outras cidades para o evento, mas nem mesmo assim conseguiram tirar o brilho do ato ao qual compareceram aproximadamente 100.000 pessoas, entre os quais jovens, idosos, mulheres gravidas, pessoas com deficiência; enfim lá estava um quadro bem representativo de nossa sociedade dando apoio à grande massa de trabalhadores presentes.
A missa foi celebrada por D. Cláudio Hummes, Arcebispo de Santo André e o principal hino entoado foi “Pra não Dizer que não falei de flores” do Geraldo Vandré. A praça da matriz, que durante um mês estava ocupada por blindados do exército que aspergiam gás lacrimogênio o dia todo, hoje estava lotada de gente, as ruas laterais também, nesse dia se vendeu os jornais da esquerda livremente, as bandeiras tremularam, as palavras de ordem do movimento foram gritadas a plenos pulmões.
Terminada a missa chegou a hora de formar a passeata, os helicópteros do exército voavam rasantes, ameaçavam, as tropas armadas com cara de que não estavam para brincadeira, os cães da polícia a postos, a cavalaria ameaçadora, o clima era de terror e de guerra...mesmo assim, a passeata se formou e começou a descer a Rua Marechal Deodoro, ao som de “Pra não dizer que não falei de flores”, O povo unido jamais será vencido! E outras palavras de ordem... , acompanhada dos helicópteros do exército, dos cães, da cavalaria, dos policiais armados até os dentes,...E a passeata avançou sem medo e com a certeza no peito de que deveria enfrentar as ameaças.
Da primeira fila com os companheiros de movimento, em posição avançada e privilegiada, nossa preocupação corrente era: quando chegar o Paço Municipal vai ser uma carnificina, já que é um espaço aberto, amplo, onde a repressão pode agir com truculência e maldade. Mas nem essa certeza nos fez recuar, a multidão nos dava a certeza de que a verdade e a razão estava conosco.
A surpresa foi enorme ao chegar ao Paço Municipal: o exercito e as forças de segurança da Ditadura tinham deixado a cidade, os helicópteros, os blindados, os cachorros, a cavalaria, as tropas não estavam lá,.. A preocupação das lideranças foi substituída pelo sentimento de vitória, as “forças de segurança” diante de uma massa organizada e tão decidida, diante da cobertura do ato, inclusive pela imprensa internacional, diante da disposição a enfrentar a pressão exercida durante todo o trajeto, preferiu recuar e tirar suas tropas da cidade.
A República de São Bernardo estava instalada!
Em paz a passeata seguiu para o Estádio da Vila Euclides, cantando os mesmos hinos e gritando as mesmas palavras de ordem com a certeza de que aquela batalha tinha sido vencida pelo POVO UNIDO.
A Assembleia teve presença massiva e decidiu pela continuidade da greve, mesmo sem os líderes do movimento que continuavam presos, as mesmas palavras de ordem, os mesmos hinos foram repetidos e cantados e ao sair de lá a sensação era de que aquela batalha tinha sido vencida.
Naquele dia, após a Assembleia, a população de São Bernardo saiu às ruas, as praças ficaram cheias de namorados, as famílias puderam passear com os filhos pelos jardins e praças, a cidade estava silenciosa, feliz e não pairava no ar o cheiro de gás lacrimogênio pela primeira vez em 30 dias.
Naquele dia comemorou-se a República de São Bernardo, a cidade que tinha vencido a Ditadura Militar, uma sensação ótima e libertadora...
Mas o dia seguinte...
O dia seguinte foi diferente, ao invés de virem os blindados do exército, vieram os infiltrados fantasiados de trabalhadores com um único objetivo: desestabilizar o movimento grevista.
Naquele dia tentaram virar carros de mães com crianças saindo da escola, ameaçaram pessoas, espalharam o pânico na região central da cidade para quebrar a adesão e o apoio da classe média ao movimento legítimo dos trabalhadores.
Nem assim conseguiram acabar com o movimento, que durou mais alguns dias e só acabou no dia em que soltaram a grande liderança dos trabalhadores: o Lula.
Na mesma tarde em que o Lula foi solto, ele convenceu os trabalhadores a retornarem ao trabalho e encerrou a greve.
Tanto os trabalhadores como os empresários reconheciam o papel e a capacidade de negociação do Lula e mais que isso que a organização dos trabalhadores tinha cumprido um papel fundamental para a longevidade do movimento.
Essa foi uma greve histórica onde não houve perdedores, onde os trabalhadores reafirmaram sua capacidade de se organizar e lutar, onde souberam dialogar com a sociedade e se impuseram sem renunciar a seus princípios e metas. Essa é a grande lição!
Conclusão
Os anos passaram, as relações evoluíram, as conexões ficaram extremamente sofisticadas e interdependentes, as formas de organização se transformaram, as linguagens se sofisticaram, os tempos são outros mas as contradições continuam presentes, e para superá-las é preciso esforço, organização e vontade de lutar. Vamos à luta companheiros!
O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO! VIVA O 1 DE MAIO, UM DIA DE LUTA!
Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior
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