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A Torre de Babel e o seguidismo inconsequente nas Redes Sociais 




Por Miguel Manso


Naquele tempo todos os povos falavam uma língua só, todos usavam as mesmas palavras. Alguns partiram do Oriente e chegaram a uma planície em Sinar, onde ficaram morando. Um dia disseram uns aos outros:

— Vamos, pessoal! Vamos fazer tijolos queimados!

Assim, eles tinham tijolos para construir, em vez de pedras, e usavam piche, em vez de massa de pedreiro. Aí disseram:

— Agora vamos construir uma cidade que tenha uma torre que chegue até o céu. Assim ficaremos famosos e não seremos espalhados pelo mundo inteiro.

Então o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que aquela gente estava construindo. O Senhor disse assim:

— Essa gente é um povo só, e todos falam uma só língua. Isso que eles estão fazendo é apenas o começo. Logo serão capazes de fazer o que quiserem. Vamos descer e atrapalhar a língua que eles falam, a fim de que um não entenda o que o outro está dizendo.

Assim, o Senhor os espalhou pelo mundo inteiro, e eles pararam de construir a cidade. A cidade recebeu o nome de Babel, pois ali o Senhor atrapalhou a língua falada por todos os moradores da terra e dali os espalhou pelo mundo inteiro.

Gênesis, nos versículos 11:1-9




A Torre de Babel e o Seguidismo Inconsequente nas Redes Sociais: Fragmentação e Desafios na Era da Informação


A história da Torre de Babel, narrada na Bíblia, é uma metáfora poderosa para o que hoje se observa no universo das redes sociais. Na tradição bíblica, a humanidade, ao tentar construir uma torre que alcançasse os céus, foi punida com a multiplicação de idiomas e a consequente perda de entendimento entre as pessoas, levando ao fim da obra. Nas redes sociais, essa mesma fragmentação — agora intensificada por algoritmos e pela dinâmica do "seguidismo" inconsequente — ameaça a coesão social, a comunicação produtiva e até mesmo o sentido de realidade compartilhada.


A Babel Digital: Fragmentação e Bolhas de Informação

No mundo virtual, cada rede social se assemelha a uma torre em que os grupos, isolados em suas próprias bolhas, falam "línguas" que são compreendidas apenas dentro de seus próprios círculos. Esse fenômeno é intensificado pelos algoritmos, que, ao priorizarem o engajamento, expõem cada usuário a um conteúdo personalizado. Como resultado, surgem "tribos digitais", onde há uma compreensão limitada de outras perspectivas e pouco espaço para o diálogo real. É como se cada grupo falasse um idioma próprio, incapaz de se conectar verdadeiramente com outros.

Essas bolhas não apenas limitam a visão de mundo dos indivíduos, mas criam uma barreira psicológica que dificulta o entendimento entre pessoas de diferentes opiniões e ideologias. Em vez de um debate enriquecedor, o que vemos é uma sucessão de monólogos paralelos, onde cada grupo interpreta a realidade de forma independente, frequentemente ignorando — ou pior, deslegitimando — as perspectivas alheias.


Seguidismo Inconsequente: A Nova Adoração das Massas

A necessidade humana de pertencimento e validação foi amplificada nas redes sociais, levando muitos ao "seguidismo" — o ato de seguir ideias, modismos e influenciadores sem a devida reflexão. Assim como na construção da Torre de Babel, onde a ambição coletiva levou a um empreendimento insensato, nas redes sociais vemos usuários reproduzindo conteúdos e opiniões sem questionar sua validade ou veracidade. Esse comportamento cria uma espécie de culto à opinião popular e à viralização, onde o valor de uma ideia é medido pelo número de "curtidas" e "seguidores", e não pela sua profundidade ou impacto social.

Esse seguidismo inconsequente tem consequências preocupantes. Falsas informações, discursos de ódio e teorias da conspiração rapidamente se propagam, criando uma realidade paralela onde a verdade é relativa e depende do que está em alta. Esse comportamento dificulta a busca pela verdade e corrompe o espaço digital, que poderia ser um local de aprendizado e crescimento coletivo.


O Efeito Babel: Desafios à Comunicação e ao Diálogo Democrático

Assim como a Torre de Babel desmoronou devido à falta de entendimento mútuo, as redes sociais contemporâneas enfrentam um problema semelhante: a fragmentação impede o diálogo democrático e enfraquece os laços sociais. As discussões que deveriam enriquecer a vida pública e ampliar o entendimento coletivo são substituídas por ataques pessoais, polarização e reforço de crenças preexistentes. A multiplicação de vozes isoladas cria um ambiente caótico onde a comunicação é ruído, e a unidade é impossível de se alcançar.

Essa falta de coesão nas redes afeta a democracia, pois o debate de ideias e a negociação de interesses se tornam tarefas árduas. A política e as discussões públicas, que se beneficiariam do pluralismo de ideias, acabam sendo reduzidas a batalhas entre visões polarizadas, cada uma representando uma "língua" que não dialoga com as demais. Isso não só impede a formação de consensos, como também alimenta a desconfiança generalizada nas instituições e nos meios de comunicação tradicionais, o que enfraquece o tecido social e a governabilidade democrática.


A Ilusão da Ascensão: A Busca por Fama e Aprovação nas Redes

A construção da Torre de Babel é frequentemente interpretada como um símbolo da vaidade humana, da tentativa de elevar-se aos céus em busca de glória e reconhecimento. Nas redes sociais, muitos usuários buscam ascender na hierarquia digital, acumulando seguidores, curtidas e compartilhamentos como se fossem degraus de uma torre que os aproximasse do reconhecimento. Essa busca incessante pela aprovação digital torna-se uma prisão invisível, onde a necessidade de validação se sobrepõe à autenticidade e ao valor intrínseco das interações.

Aqueles que buscam a fama digital muitas vezes adotam posturas que agradam aos algoritmos, como a produção de conteúdos sensacionalistas, apelativos ou divisivos. A essência de um debate democrático, que é a busca pela verdade e pelo bem comum, é substituída por uma corrida pela popularidade, onde o valor das ideias é secundário. Assim, o espaço público digital transforma-se em uma torre de vaidades, onde o sucesso é efêmero e o reconhecimento se baseia em métricas superficiais.


A Necessidade de Repensar a Torre: Caminhos para a Construção de uma Rede Social Construtiva

Diante dessa fragmentação, o desafio contemporâneo é construir um ambiente digital que promova o entendimento mútuo, a transparência e o diálogo. Isso pode ser alcançado por meio de várias ações:

  • Educação Digital: Promover uma cultura digital que incentive o pensamento crítico e a verificação dos fatos. Capacitar os usuários a refletirem sobre as informações e a questionarem o conteúdo antes de seguir cegamente as massas.

  • Transparência Algorítmica: Exigir que as plataformas revelem seus critérios de recomendação de conteúdo, para que os usuários entendam as lógicas que moldam sua experiência digital.

  • Incentivo ao Conteúdo Construtivo: Desenvolver mecanismos que promovam conteúdos informativos, colaborativos e orientados para a construção de conhecimento.

  • Fortalecimento de Comunidades Virtuais Saudáveis: Encorajar a criação de espaços onde os usuários possam debater e dialogar com segurança e respeito, promovendo o entendimento entre diferentes perspectivas.


A Torre de Babel nas redes sociais é um sinal de alerta sobre os riscos da fragmentação e do seguidismo inconsequente. Assim como a humanidade aprendeu com a destruição da torre, precisamos refletir sobre o uso que fazemos das redes sociais e buscar novas formas de construir uma comunicação mais coesa e democrática. Somente por meio de uma ação consciente e coletiva seremos capazes de transformar o espaço digital em um lugar de aprendizado, unidade e progresso compartilhado.


Os Algoritmos de Inteligência Artificial nas Redes Sociais e o Impacto sobre a Qualidade da Informação e do Discurso Público


As redes sociais tornaram-se um espaço central para a circulação de informações e debates públicos, mas seu funcionamento é fortemente influenciado por algoritmos de inteligência artificial (IA), cuja programação visa maximizar a interação do usuário, seja por curtidas, comentários ou compartilhamentos. Esse foco nos chamados engagement metrics não garante, contudo, que os temas mais relevantes para o desenvolvimento humano, a coesão social ou a democracia sejam priorizados. Pelo contrário, muitas vezes os algoritmos acabam impulsionando conteúdos que geram mais polarização, emoções intensas e, em última análise, a fragmentação da sociedade.


A Lógica do Engajamento como Motor de Seleção de Conteúdos

As plataformas digitais, como Facebook, Twitter (X), Instagram e YouTube, organizam o que é visível a cada usuário por meio de algoritmos que priorizam conteúdos com maior probabilidade de interação. Este "engajamento" é o combustível do modelo de negócios das redes sociais, que obtêm receita a partir da atenção dos usuários, vendida aos anunciantes. Em vez de apresentar informações úteis, verídicas ou complexas, os algoritmos tendem a priorizar o que seja mais instigante ou chocante, pois emoções fortes aumentam o tempo de permanência e a propensão a interagir.

Essa lógica do engajamento tem um impacto significativo na qualidade da informação. Estudos indicam que informações falsas ou sensacionalistas têm até 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Os conteúdos que promovem conflitos ou antagonismos, que exploram medos ou que ridicularizam pessoas ou grupos, têm um desempenho muito superior em termos de engajamento. O resultado é um ambiente digital em que o conteúdo mais disseminado frequentemente é aquele que fomenta divisões, em vez de buscar unidade ou compreensão mútua.


Impacto na Qualidade do Conhecimento e na Verdade

Com a prioridade dada ao engajamento, conteúdos complexos, que exigem maior esforço intelectual e atenção, tendem a ser menos recomendados ou simplesmente a desaparecer das redes sociais. A IA privilegia aquilo que chama atenção de forma rápida, o que favorece opiniões simplistas e sensacionalistas sobre temas complexos. Questões fundamentais para a sociedade, como saúde pública ou políticas educacionais, frequentemente são distorcidas ou tratadas de forma rasa, sem as nuances necessárias para um entendimento pleno.

Além disso, a presença de desinformação e teorias da conspiração nas redes é amplificada pelo mesmo mecanismo de engajamento, criando o que muitos especialistas chamam de "infodemia". A propagação de informações falsas, que polarizam e manipulam, mina a confiança nas fontes de informação consistentes e verdadeiras e ameaça a própria noção de verdade. Assim, a IA, ao invés de promover o conhecimento e a verdade, acaba gerando desinformação em massa, com consequências negativas para a compreensão dos problemas sociais e para o debate público.


O Enfraquecimento da Unidade e da Democracia

Ao amplificar conteúdos polarizantes e ao oferecer uma experiência personalizada de acordo com os gostos de cada usuário, as redes sociais acabam contribuindo para o fenômeno das "bolhas informativas". Cada usuário se vê exposto, em grande medida, apenas a conteúdos com os quais já concorda, reduzindo sua abertura ao diálogo com perspectivas diferentes. Esse isolamento em bolhas prejudica a unidade social e favorece uma percepção distorcida da realidade, onde o "outro" é frequentemente visto como inimigo, e não como interlocutor.

As democracias modernas, baseadas no debate pluralista e na negociação entre interesses divergentes, vêem-se ameaçadas por esse tipo de polarização exacerbada. O próprio ato de votar e de discutir políticas públicas perde força quando as redes sociais, ao invés de promoverem a reflexão e a busca por soluções conjuntas, incitam o radicalismo e a intolerância.


Prosperidade Social e Econômica versus Lógica do Lucro nas Plataformas

As redes sociais poderiam ser um instrumento de promoção do conhecimento, da verdade, da unidade e da prosperidade coletiva. No entanto, a lógica que move as grandes plataformas de IA nas redes é o lucro, não o bem-estar social. Isso significa que o desenvolvimento de algoritmos busca aumentar as receitas da plataforma, frequentemente à custa do desenvolvimento individual e coletivo. A lógica do lucro cria um ciclo vicioso: quanto mais tempo e mais intensa a interação dos usuários, mais as plataformas lucram — e, portanto, quanto mais emocionalmente polarizantes e distorcidas as informações, mais rentáveis se tornam para essas empresas.

Os interesses comerciais, muitas vezes, desvirtuam o potencial das redes sociais para construir uma sociedade mais informada e conectada. A IA tem um enorme potencial para transformar positivamente o conhecimento humano, mas a maneira como tem sido aplicada no ambiente das redes prioriza o consumismo e a distração, em detrimento da reflexão e da conscientização social.


Possíveis Soluções e Alternativas: Rumo a uma IA Ética e Democrática

Para superar esses desafios, é necessário buscar alternativas que estimulem a criação de algoritmos alinhados aos valores democráticos e ao bem-estar coletivo. Algumas propostas emergentes incluem:

  • Transparência Algorítmica: Exigir que as plataformas revelem os critérios de funcionamento de seus algoritmos, facilitando o monitoramento público.

  • Regulação Governamental: Implementar leis que exijam um limite à promoção de conteúdos polarizadores e falsos, além de incentivar conteúdos de interesse público.

  • IA Orientada ao Conhecimento e ao Bem-estar: Desenvolver algoritmos que priorizem informações verificadas e conteúdos que promovam o diálogo e o aprendizado em vez do conflito.

  • Incentivo a Projetos de Redes Alternativas: Apoiar plataformas que adotem princípios diferentes dos grandes conglomerados digitais, como as redes sociais baseadas em software livre e administradas por coletivos.


Essas mudanças poderiam transformar as redes sociais em instrumentos para o desenvolvimento humano, promovendo o conhecimento, a verdade, a unidade e a prosperidade.


Para que isso seja alcançado, é crucial que a sociedade civil, o setor privado e o poder público trabalhem em conjunto para redefinir o uso ético e socialmente responsável da IA nas redes sociais. A tecnologia tem o potencial de contribuir para uma sociedade mais democrática e informada, mas apenas se for usada para servir, em primeiro lugar, aos interesses coletivos e não ao lucro imediato das plataformas.



Desde 2016 nos Estados Unidos e na Europa o tema das fake news (notícias falsas) tornou-se preocupação central do jornalismo em virtude dos prejuízos que esse fenômeno causa especialmente à preservação saudável dos sistemas democráticos. 


Em 2018, o processo eleitoral trouxe esse tema para o ápice dos debates e decidiu eleição no Brasil. 


Em 2024 decidiu eleições nos EUA e em diversos países.



Stuart Russell, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, dedica-se há décadas ao estudo da Inteligência Artificial (IA), mas também é um de seus mais conhecidos críticos - ao menos do modelo de IA que ele ainda vê como "padrão" pelo mundo.



Mas - à diferença dos enredos de filmes de Hollywood sobre o assunto - não porque ele ache que essas tecnologias vão se tornar conscientes e se voltar contra nós.


A preocupação principal de Russell é com a forma como essa inteligência tem sido programada por seus desenvolvedores humanos: elas são incumbidas de otimizar ao máximo possível suas tarefas, basicamente a qualquer custo.


E, assim, tornam-se "cegas" e indiferentes aos problemas (ou, em última instância, à destruição) que podem causar aos humanos.

Para explicar isso à BBC News Brasil, Russell usa a metáfora de um gênio de lâmpada atendendo aos desejos de seu mestre: "você pede ao gênio que te torne a pessoa mais rica do mundo, e assim acontece - mas só porque o gênio fez o resto das pessoas desaparecerem", diz.


"(Na IA) construímos máquinas com o que chamo de modelos padrão: elas recebem objetivos que têm de conquistar ou otimizar, (ou seja), para os quais têm de encontrar a melhor solução possível. E aí levam a cabo essa ação."


Mesmo que essa ação seja, na prática, prejudicial aos humanos, ele argumenta.


"Se construirmos a Inteligência Artificial de modo a otimizar um objetivo fixo dado por nós, elas (máquinas) serão quase como psicopatas - perseguindo esse objetivo e sendo completamente alheias a todo o restante, até mesmo se pedirmos a elas que parem."

Um exemplo cotidiano disso, opina Russell, são os algoritmos que regem as redes sociais - que ficaram tão em evidência com a pane global que afetou Facebook, Instagram e WhatsApp durante cerca de seis horas em uma segunda-feira no início de outubro.

A tarefa principal desses algoritmos é favorecer a experiência do usuário nas redes sociais - por exemplo, coletando o máximo de informações possível sobre esse usuário e fornecendo a ele conteúdo que se adeque a suas preferências, fazendo com que ele permaneça mais tempo conectado.

Mesmo que isso ocorra às custas do bem-estar desse usuário ou da cidadania global, prossegue o pesquisador. (Por que algoritmos das redes sociais estão cada vez mais perigosos, na visão de pioneiro da Inteligência Artificial - Paula Adamo Idoeta - Da BBC News Brasil em São Paulo)



Miguel Manso

Engenheiro Eletrônico formado pela USP

Especialização em Telecomunicações pela UNICAMP

Especialização em Inteligência Artificial pela UFV

Coordenador de Políticas Públicas da EngD

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