Um apagão de causas ainda desconhecidas deixou no escuro, na última terça-feira (15), 26 milhões de brasileiros, de 25 estados e do Distrito Federal. Apenas Roraima não foi atingida, já que é o único estado que não está no Sistema Interligado Nacional (SIN). Conforme relatório preliminar do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a origem do problema nos leva à linha de transmissão 500kV Quixadá II – Fortaleza II, operada pela Chesf, subsidiária da Eletrobras.
O que se sabe, até o momento, é que o sistema de proteção dessa linha “desligou” às 8h31, “milissegundos” antes de corte de energia, estimado em 19 gigawatts (GW) – pouco mais de um quarto da carga total do País naquele momento. O restabelecimento foi gradual, mas regiões como o Nordeste e o Norte chegaram a ficar mais de seis horas sem eletricidade.
É consenso que uma “saída de linha” não é suficiente para, sozinha, provocar um apagão nacional, de modo que ainda faltam (muitas) explicações convincentes. Ministros do governo Lula, como Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) não descartam a hipótese de sabotagem.
O fato é que, como a Eletrobras foi privatizada de modo espúrio em 2022, numa afronta à soberania energética do País, até a identificação das causas está sob risco. Não por acaso, a ONS informou que só terá uma apuração mais detalhada no final do outubro, cerca de 45 dias depois do apagão.
No Brasil, por regra, o apagão é filho da privatização. O mais grave ocorreu em março de 1999, sob o governo FHC, que atribuiu o fenômeno à queda de um raio numa subestação de energia elétrica em Bauru (SP). Mais de 60% do território nacional foi afetado. Dois anos depois, devido à falta de chuva e de planejamento, o governo impôs medidas impopulares aos brasileiros, como blecautes programados, redução da iluminação pública e racionamento de energia.
Há três anos, em plena pandemia de Covid-19, moradores de 14 municípios do Amapá foram vítimas da um apagão local, iniciado com um incêndio numa subestação da capital, Macapá. Desta vez, porém, o fracasso da iniciativa privada ficou ainda mais escancarado. Além da falta de manutenção nos transformadores, não havia sequer equipamentos adequados para enfrentar a situação. Com isso, o desabastecimento se arrastou por mais de dez dias, provocando prejuízos e transtornos incalculáveis. A situação só começou a ser normalizada com o apoio de uma empresa estatal, a Eletronorte.
Este apagão de 2023 não foge à regra. No início deste mês, em ação assinada pelo presidente Lula, a AGU (Advocacia-Geral da União) já havia acionado o STF (Supremo Tribunal Federal) para reverter os retrocessos da privatização da Eletrobras, realizada em 2022. Mesmo com 42,61% das ações ordinárias da companhia, a União tem somente 10% do poder de voto, numa evidente irregularidade.
Hoje, a Eletrobras é uma empresa de capital privado do tipo “corporation” – ou seja, sem acionista controlador. Como o setor de energia é estratégico, constituindo-se numa das bases da soberania nacional, não faz sentido algum renunciar a seu controle. Ainda mais quando se trata de uma empresa que responde por 23% do total da capacidade de geração do país, por meio de 35 usinas hidrelétricas, nove termoelétricas, 20 usinas eólicas e uma usina solar. Sua infraestrutura abrange nada menos que 74 mil quilômetros de linhas de transmissão.
“Foi feito quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras”, já disse Lula, neste ano, ao anunciar que lutaria para rever “esse contrato leonino”. Na quarta-feira (16), um dia após o apagão, a PGR (Procuradoria-Geral da União) deu parecer favorável ao governo – o procurador-geral, Augusto Aras, mencionou o risco de “lesões imprevisíveis na administração da Eletrobras e, consequentemente, no sistema elétrico brasileiro”.
Afora a questão de soberania, Lula sabe que sua gestão não pode ficar refém de uma Eletrobras a serviço de interesses particulares, muito menos neste momento em que o Brasil está prestes a engatar o Novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e às voltas com um projeto de neoindustrialização. É urgente que se investiguem as causas do apagão de terça-feira e se prestem contas à sociedade brasileira. Mas urge igualmente devolver o setor de energia ao Poder Público, antes de novos colapsos.
Temos de buscar um amplo arco de forças da engenharia, dos poderes públicos, das entidades representativas, do movimento social, do sindicalismo e da academia para lutar pela volta do domínio público à coordenação do sistema elétrico do País. Essa missão é imperiosa e imprescindível para a segurança energética nacional e para a governabilidade do Brasil. É preciso reestatizar a Eletrobras já!
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