
Por Miguel Manso
Os impactos devastadores do neoliberalismo na engenharia nacional brasileira, as consequências das políticas de desestatização, desindustrialização e redução do investimento público em infraestrutura e inovação estão na raiz do desmonte da Engenharia Nacional, do empobrecimento da categoria, da fragilização das empresas de engenharia e da perda de capacidade de desenvolver a Nação, com a perda de interesse da juventude em seguir a profissão.
A lógica neoliberal, ao enfraquecer o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, comprometeu a soberania tecnológica e a capacidade produtiva do país.
Autores críticos do neoliberalismo e em dados sobre a desindustrialização brasileira nos dão boas referências para a saída.
A engenharia nacional desempenha um papel estratégico no desenvolvimento econômico e na soberania de um país.
No entanto, a ascensão do neoliberalismo, e da financeirização da nossa economia, subordinando todo o setor produtivo a abusivas taxas de juros e lucros abusivos e distribuição de dividendos para executivos venais e subordinados aos interesses do grande capital financeiro, acirrou-se,especialmente a partir da década de 1990, e impactou diretamente esse setor, reduzindo investimentos estatais, promovendo privatizações e abrindo o mercado nacional à concorrência estrangeira, sem um projeto estruturado de fortalecimento da indústria nacional.
O Neoliberalismo e a Reconfiguração do Papel do Estado
O neoliberalismo, como doutrina econômica, defende a redução da intervenção estatal nos estados e nações periféricas aos países desenvolvidos, a abertura aos capitais especulativos estrangeiros, e a desregulamentação dos mercados e a privatização de empresas públicas (HARVEY, 2005).
No Brasil, essas políticas foram intensificadas na década de 1990, quando setores estratégicos da economia, como energia, telecomunicações e infraestrutura, passaram a ser geridos pela iniciativa privada, segmentando e enfraquecendo grandes empresas públicas que faziam frente aos ataques dos interesses estrangeiros nestes setores estratégicos ao desenvolvimento nacional, e geralmente caindo, estas empresas privatizadas, para as mão de empresas estrangeiras, muitas delas estatais nos seus países.
A engenharia nacional, assim como ocorre nos EUA, Europa e demais nações, historicamente dependente de grandes investimentos públicos, e foi diretamente afetada por essa mudança de paradigma.
Segundo Bresser-Pereira (2019), o neoliberalismo no Brasil desestruturou a capacidade do Estado de formular e executar projetos estratégicos de longo prazo, comprometendo a indústria de base e a inovação tecnológica.
Como resultado, a engenharia nacional perdeu espaço para empresas estrangeiras, que passaram a dominar setores antes liderados por estatais e grandes construtoras nacionais.
Nossos melhores cérebros e experiências tem sido internacionalizados (exemplo do setor de engenharia automobilistica da Ford) ou apagadas da cultura e do "saber fazer" nacional.
Impactos do Neoliberalismo na Engenharia Nacional
Desindustrialização e Dependência Tecnológica
A abertura comercial e a falta de políticas de proteção à indústria nacional resultaram na desindustrialização do Brasil.
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI, 2022) apontam que a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro caiu de 27% em 1985 para cerca de 11% em 2020. Esse processo fragilizou o setor de engenharia, que depende de uma base industrial robusta para desenvolvimento e inovação.
Redução do Investimento Público em Infraestrutura
A retração do investimento estatal na construção civil e em projetos estratégicos impactou diretamente a engenharia nacional.
Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023), o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 5% do PIB na década de 1980 para menos de 2% nas últimas décadas, afetando a capacidade produtiva do país e limitando oportunidades para engenheiros brasileiros.
Privatizações e a Perda de Capacidades Tecnológicas
A privatização de empresas como a Vale, Embraer e Eletrobras transferiu para o setor privado importantes centros de pesquisa e inovação tecnológica.
Embora algumas dessas empresas tenham mantido a competitividade global, a falta de políticas de incentivo à inovação prejudicou o desenvolvimento tecnológico interno.
Como destaca Chang (2002), países que abriram mão de suas indústrias estratégicas perderam autonomia no desenvolvimento de tecnologias próprias.
O Papel do Estado na Recuperação da Engenharia Nacional
A retomada do protagonismo da engenharia nacional passa necessariamente pelo fortalecimento do papel do Estado como indutor do desenvolvimento.
Como defendem Mazzucato (2014) e Kupfer (2021), políticas industriais bem estruturadas e investimentos estratégicos são essenciais para recuperar setores estratégicos da economia.
Algumas medidas para a recuperação da engenharia nacional incluem:
Reindustrialização: implementação de políticas de incentivo à produção nacional e ao desenvolvimento de novas tecnologias.
Financiamento público para inovação: criação de fundos específicos para pesquisas aplicadas em engenharia.
Infraestrutura como vetor de crescimento: ampliação do investimento em obras públicas, transporte e energia.
Adoção de regras de conteúdo local: exigência de participação de empresas nacionais em projetos de grande porte.
A engenharia nacional é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil.
No entanto, as políticas neoliberais adotadas nas últimas décadas enfraqueceram esse setor, promovendo desindustrialização, dependência tecnológica e redução do investimento público em infraestrutura.
Para reverter esse quadro, é fundamental que o Estado reassuma seu papel de indutor do desenvolvimento, promovendo políticas de reindustrialização, investimento em inovação e fortalecimento das empresas nacionais de engenharia.
Resistir à desregulamentação da engenharia e derrotar as tentativas de abertura do setor para empresas estrangeiras em proposta apresentada O Projeto de Lei nº 1.024, de 2020, proposta apresentada pelos bolsonaristas e neoliberais, que controlam comissões do Congresso Nacional e o sistema Confea, e querem, sem maiores consultas a toda a categoria e suas entidades, aprovar o projeto de Lei 1024 no lugar da lei nº 5.194 de 24 de dezembro de 1966.
Avançar na nossa unidade e das nossas organizações e entidades da Engenharia para realizar o Forum da Engenharia Nacional e dar voz e protagonismo a nossa luta.
*Miguel Manso é Engenheiro Eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e Inteligência Artificial pela UFViçosa - Coordenador de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia - e pesquisador do Grupo de Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois
Referências
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A construção política do Brasil: sociedade, economia e Estado desde a Independência. São Paulo: Editora 34, 2019.
CHANG, Ha-Joon. Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective. London: Anthem Press, 2002.
HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2005.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Investimentos em infraestrutura no Brasil. Brasília, 2023.
KUPFER, David. Política Industrial e Desenvolvimento no Brasil: uma visão prospectiva. Rio de Janeiro: Elsevier, 2021.
MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público versus setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.
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