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Análise crítica do PL da Devastação

  • Foto do escritor: EngD
    EngD
  • 18 de jul.
  • 4 min de leitura

Ivan Maglio

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O Projeto de Lei 2.159/2021, aprovado em 16/07/2025 após tramitação controversa, instituirá a primeira Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil. O texto pretende unificar nacionalmente procedimentos hoje fragmentados entre normas federais e estaduais, respondendo à demanda por maior “segurança jurídica” e agilidade para setores produtivos, como o agronegócio, mineração e infraestrutura. No entanto, especialistas, órgãos ambientais e entidades científicas apontam impactos ambientais, institucionais e jurídicos de grande magnitude.


O Projeto de Lei 2.159/2021 representa uma das maiores reformas – e retrocessos – no licenciamento ambiental brasileiro desde a criação da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O texto aprovado agravou preocupações de órgãos técnicos, da comunidade científica e da sociedade civil ao flexibilizar normas, desestruturar critérios técnicos e reduzir drasticamente a participação de instituições especializadas na avaliação e prevenção de impactos ambientais.


Principais Mudanças Introduzidas


Ampliação da Autodeclaração (LAC): Cerca de 90% dos licenciamentos ambientais passarão a ser concedidos por autodeclaração, sem análise técnica prévia de órgãos ambientais. Inclui atividades agropecuárias, obras viárias e de infraestrutura, e empreendimentos de médio impacto.


Dispensa de Licenciamento para o Agronegócio: Atividades agropecuárias tradicionais são isentas de licença ambiental, desde que inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que representa uma das demandas históricas da bancada ruralista.


Redução do Papel de Órgãos Técnicos: O ICMBio e outros órgãos perdem a obrigatoriedade de manifestação prévia e vinculante, inclusive em Unidades de Conservação (UCs) federais e zonas consideradas sensíveis.


Flexibilização em Territórios Sensíveis: Para UCs sem zona de amortecimento definida, ou áreas indígenas não homologadas, sequer é exigido parecer dos órgãos especializados, facilitando instalações de projetos potencialmente danosos em limites dessas áreas.


Desvinculação da Outorga de Água e Solo: O licenciamento ambiental não está mais condicionado à apresentação prévia de documentos que provem uso regular de recursos hídricos ou do solo, rompendo a lógica integrada da gestão desses bens.


Implicações para as Unidades de Conservação (UCs) no Brasil


Fragilização do ICMBio: O Órgão gestor deixa de autorizar previamente licenciamentos em UCs federais.


Poder de veto substituído por opinião formal:  A manifestação dos órgãos passa a ser “não vinculante” e, em vários casos, sequer é exigida. Riscos para áreas não regularizadas UCs e terras indígenas ainda não regularizadas ficam vulneráveis ao avanço de grandes empreendimentos.


Autolicenciamento em áreas sensíveis: As obras estratégicas (petróleo, mineração, infraestrutura) poderão ser licenciadas em fase única (LAE).


Supressão de APPs e Reservas Legais - Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012):  As medidas de compensação e análise prévia de impactos são dispensadas ou reduzidas em atividades dispensadas.


Avaliação Crítica e Riscos Identificados


Retrocesso Ambiental: O PL é apontado como o mais grave enfraquecimento do sistema nacional de proteção ambiental em décadas. Atividades com alto potencial poluidor terão menos exigências, intensificando desmatamento, perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa.


Judicialização e Insegurança Jurídica: A descentralização excessiva, sem padrões mínimos nacionais claros, pode levar a conflitos normativos, competição por flexibilizações e aumento significativo de ações judiciais entre entes federativos.


Riscos à Saúde e Direitos Humanos: A simplificação processual reduz avaliações de riscos ambientais, sociais e à saúde pública, expondo populações a poluição, contaminação e desastres socioambientais.


Violação de Acordos Internacionais: O projeto afronta a Constituição Federal (ao fragilizar proteção de UCs e consulta a povos tradicionais) e compromissos como o Acordo de Paris e a Convenção 169 da OIT.


Desligamento da Agenda Climática: O texto ignora expressamente a variável “clima”, deixando de integrar a análise de impactos sobre mudanças climáticas e vulnerabilidade hídrica.


Risco de Novas Tragédias: Organizações e especialistas comparam a retirada de controles e condicionantes com fatores que antecederam tragédias como Mariana e Brumadinho, alertando para o risco de novos desastres em áreas sensíveis.


Considerações Finais


O PL 2.159/2021 representa uma ruptura drástica com o modelo de proteção ambiental brasileiro, substituindo critérios técnicos por procedimentos autodeclaratórios e reduzindo drasticamente o papel de especialistas e órgãos reguladores. Apesar de prometer racionalidade e eficiência, o projeto cria uma estrutura propensa à degradação ambiental acelerada, insegurança jurídica e exposição direta de áreas e populações a riscos ambientais e sociais inéditos na história recente do Brasil.


A comunidade científica, ambientalistas e órgãos federais demandam veto total ao texto, considerando-o incompatível com os compromissos nacionais e internacionais de sustentabilidade e proteção dos biomas brasileiros.


Por fim e de altíssima gravidade, a Lei aprovada afronta o Art. 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. O Projeto de Lei  é, portanto, inconstitucional!

A aprovação do PL 2.159/2021, na análise do ICMBio, aprofunda vulnerabilidades ambientais ao enfraquecer os instrumentos de prevenção, fiscalização e controle, além de afastar o país das melhores práticas mundiais de proteção socioambiental e comprometer a liderança brasileira em fóruns climáticos globais.

Ivan Maglio é Dr. em Saúde Ambiental e Pós Doutor pelo IEA e FAU-USP; Superintendente do Instituto Panamericano de Meio Ambiente – IPAM; e Diretor da PPA – Política e Planejamento Ambiental.


Referências:

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