O massacre da engenharia nacional
- EngD
- 16 de jun.
- 5 min de leitura
Eng. Fernando Siqueira, vice-presidente da AEPET

Em 1975, no Governo Geisel, o presidente, tendo residido a Petrobras e,
portanto, sabedor das dificuldades de importação de equipamentos
estratégicos, emitiu um decreto permitindo que a Petrobras comprasse no
mercado nacional equipamentos do setor pagando até o dobro do preço
do mercado internacional. Uma reserva de mercdo estratégica.
Assim, na Petrobras foi criado um grupo de trabalho composto de
representantes: 1) do órgão maior consumidor desses equipamentos o
Departamento de Produção (do qual eu era o representante); 2) do
Serviço de compras; 3) do Centro de pesquisas da companhia – Cenpes
fornecendo tecnologia; 4) do órgão operacional fornecendo o feedback
operacional e 5) do Serviço de Engenharia, que gerenciava os projetos
executivos, contratava e fiscalizava as obras.
Eu e o representante do Serviço de compras visitamos várias empresas
com vocação próxima das nossas necessidades e, com apoio operacional e
do Centro de Pesquisas, conseguimos capacitar um corpo de 1.500
empresas fornecedoras, que competiam com fornecedores internacionais
no estado da arte. Exemplos: Confab – fabricava vasos de pressão; CBV –
fabricava válvulas de alta precisão, inclusive fare safe; Sistema – fabricava
instrumentos e desenvolvia softwares; Det-Tronics – fabricava diversos
instrumentos eletrônicos e pneumáticos. Assim, foram capacitados muitos
outros fornecedores como de painéis de Centro de Controle de Motores,
de bombas e outros. Esses 1500 fornecedoras citados criaram cerca de
3.500 subfornecedores, num total de cerca de 5000 empresas, que
prestavam também serviços de inspeção e manutenção;
Em 1991, Fernando Collor eliminou a vantagem concedida por Geisel às
empresas nacionais e, em 1999, Fernando Henrique emitiu o Decreto
chamado REPETRO, que isentou as empresas estrangeiras do imposto de
importação. E o CONFAZ não isentou as empresas nacionais do ICMS.
Esses atos inviabilizaram as 5000 empresas nacionais, que foram fechando
em massa, tendo algumas se transformado em escritório de
representação de antigos concorrentes e as poucas que restaram foram
compradas por empresas estrangeiras. Foi o primeiro massacre da
engenharia e da tecnologia nacionais. O REPETRO ainda vigora.
Vale lembrar que, ao assumir a presidência em 1995, Fernando Henrique
Cardoso iniciou um processo de privatização e desmonte do patrimônio
nacional. A primeira providência foi fazer aprovar no Congresso Nacional a reforma da ordem econômica, capítulo V da Constituição Federal. Foram
cinco mudanças cruciais: 1) igualou empresas estrangeiras com as
nacionais. Assim permitiu que empresas estrangeiras passassem a
explorar o subsolo nacional com 100% do capital das companhias, ou seja,
escancarou o subsolo para as transnacionais. E vendeu a Vale do Rio Doce
por R$ 3 bilhões, uma doação – ela valia mais de R$ 100 bilhões, segundo
avaliação do professor Luiz Pinguelli Rosa; 2) quebrou o monopólio da
cabotagem, permitindo que as embarcações estrangeiras navegassem
pelos rios brasileiros e escoassem nossas riquezas; 3) quebrou o
monopólio do gás canalizado, permitindo que seu genro vendesse a maior
distribuidora de gás do país, a COMGAS por preço aviltado; 4) quebrou o
monopólio das telecomunicações e vendeu a Telebrás por R$ 13 bilhões,
em moedas podres, depois de gastar R$ 20 bilhões para saneá-la; 5)
quebrou o monopólio estatal da União sobre o petróleo e vendeu 36% das
ações da Petrobras n Bolsa de Nova Iorque por US$ 5 bilhões (R$ 8 bilhões
na época) enquanto o valor de venda da Petrobras na Bovespa era cotado
em R$ 400 bilhões.
Em 2005, a Petrobras criou o EPCismo – Engineering, Procurement &
Construction, ou seja, compra serviços de construção de instalações de
produção por pacote fechado. Combatemos com veemência essa
iniciativa, que infelizmente, ainda funciona na Petrobras. Efeitos danosos:
1) o ganhador do pacote comprava os projetos na Índia e equipamentos
na china – fechando centenas de escritórios de projetos, só no Rio de
janeiro e deixando as restantes fornecedoras de equipamentos a ver
navios; as “pacoteiras” combinavam quem iria ganhar determinada
concorrência, contratando as outras como suas subcontratadas, e, assim,
jogando o preço para cima: de 10 a 20% mais alto. Foi o segundo massacre
contra a engenharia nacional. Os escritórios de Engenharia de projeto
fecharam e as poucas empresas de fabricação de equipamentos ficaram
sem encomendas por longo período.
Terceiro massacre: quando estava sendo elaborada a Lei de partilha, a Lei
12351/2010, que como presidente da Aepet eu acompanhei muito de
perto, e vi que o IBP, que abriga o cartel do petróleo, apresentou duas
emendas perniciosas: a primeira, que dizia que o royalty entra no custo de
produção, reduzindo a parcela de óleo-lucro a União, e a segunda, que diz
que o Royalty pago é ressarcido em petróleo. Assim saiu o projeto de lei
da Câmara para o Senado. Com ajuda do deputado gaúcho Ibsen Pinheiro,
levei essas informações ao senador Pedro Simon. O senador fez um discurso contundente no plenário e o relator do projeto no senado, Romero Jucá, prometeu e retirou essas emendas. Porém, no seu relatório final as reincluiu com redação disfarçada, mas as colocou em 4 artigos: 2º, 10º, 15º e 22º. Com isto, Jucá dificultou a supressão das emendas, pois segundo Ibsen, era necessário um partido para combater cada uma delas.
Ibsen então sugeriu que o Senador Simon apresentasse emendas à nova
lei dos royalties que estava em discussão no Senado para depois ir para a
câmara. Juntos, eu e o deputado Ibsen, redigimos uma emenda à que
seria a Lei 12.734/2012 – dos royalties – e essa emenda foi acatada no
Senado e também na Câmara.
Tendo a emenda Simon sido aprovada nas duas casas legislativas, ela se
transformou no artigo 2º da Lei 12.734/2012, que modificou o artigo 42 §
1º da Lei 12,734/2010 – Lei de Partilha – o qual passou a ficar com a
seguinte redação: “Os royalties, com alíquota de 15% (quinze por cento)
do valor da produção, correspondem à compensação financeira pela
exploração do petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
líquidos de que trata o § 1º do artigo 20 da Constituição Federal, sendo
vedado, em qualquer hipótese, seu ressarcimento ao contratado e sua
inclusão no custo em óleo”.
Ocorre que essas duas leis estão sendo desrespeitadas e os royalties estão
recebendo o seguinte tratamento pela ANP, Petrobras e consórcios
produtores: 1) o royalty entra no custo de produção e reduz o óleo–lucro
da União; 2) o royalty pago é ressarcido em petróleo, logo não é pago e a
união é que paga os royalties aos estados e municípios; 3) O royalty é
usado para o abatimento dos impostos de Renda e CSLL. Assim, o povo
brasileiro é lesado de uma forma contundente e inaceitável.
Assim, o terceiro massacre da engenharia nacional é então decorrente do
seguinte: a Petrobras, sob pressão dos seus acionistas, que só visam lucro,
exporta 52% do petróleo que produz, deixando de refinar no país e
gerando emprego no exterior, pois a exportação é isenta de impostos. Ela
importa combustíveis pagando menos imposto. E mais: as transnacionais
parceiras da Petrobras exportam todo o seu petróleo sem pagar nada e
sem gerar emprego no país, pois o refinam no exterior.
Cabe lembrar que, quando FHC assumiu o Governo, o poder público
detinha 84% do capital social da Petrobras. FHC vendeu 36% dele na bolsa
de Nova Iorque e incentivou os estados e os municípios a venderem as suas ações. Quando deixou o Governo, só a União e o BNDES detinham
38% das ações. Hoje, a União detém 29,02% e o BNDES 8,03%. Portanto,
cerca de 63% dos acionistas da Petrobras são privados, sendo 45% deles
estrangeiros (21,15% na bolsa de Nova Iorque 23,84 na Bovespa) e 7,55%
bancos estrangeiros. A transgressão às leis está favorecendo esses
acionistas privados – maioria estrangeiros - em detrimento do povo
brasileiro. Portanto, a burla à Lei pela ANP e pela Petrobras está gerando
lucros extraordinários para a Petrobras, que vem pagando dividendos
altíssimos a esses acionistas privados.
Para dar uma ideia do tamanho da lesão ao povo brasileiro, os países
exportadores de petróleo ficam com a média de 80% do petróleo
produzido em seus territórios. O Pré-sal está gerando uma participação de
apenas 8%, segundo relatório da Pré-sal petróleo, empresa criada para
gerenciar e comercializar todo o petróleo arrecadado pela União.
Comments