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Terras Raras do Brasil em Face aos Projetos já Realizados para sua Identificação: Radam Brasil, um Trabalho Esquecido

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    EngD
  • há 18 minutos
  • 4 min de leitura

Amilton de Souza Rocha


Enquanto o mundo busca as terras raras, essenciais para a transição energética, um projeto pioneiro do século XX, que mapeou pistas valiosas sobre esses recursos, permanece nas sombras do esquecimento



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Este artigo tem como principal objetivo revisitar a contribuição do Projeto RADAM Brasil na identificação de indícios e províncias metalogenéticas favoráveis à ocorrência de terras raras no território nacional. Busca-se demonstrar que, muito antes da atual corrida por esses minerais críticos, o RADAM forneceu o mapa geológico fundamental que orienta sua prospecção. Ademais, o trabalho analisa as consequências estratégicas do esquecimento desse legado para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro na contemporaneidade.
This article aims to revisit the contribution of the RADAM Brazil Project in identifying clues and metallogenic provinces favorable to the occurrence of rare earths within the national territory. It seeks to demonstrate that, long before the current race for these critical minerals, RADAM provided the fundamental geological map that guides their prospecting. Furthermore, the work analyzes the strategic consequences of the neglect of this legacy for Brazilian scientific and technological development in contemporary times.

A corrida global pelas terras raras um grupo de 17 elementos químicos críticos para a fabricação de smartphones, turbinas eólicas, veículos elétricos e uma infinidade de equipamentos de alta tecnologia coloca o Brasil em uma posição potencialmente estratégica. No entanto, ao discutirmos os projetos para identificar essas riquezas, frequentemente miramos em iniciativas futuras e esquecemos de olhar para trás, para um trabalho monumental que, nas décadas de 1970 e 80, já lançava as primeiras luzes sobre o assunto: o Projeto RADAM Brasil.

 

O RADAM Brasil: O Mapeamento de um Continente Desconhecido

 

Em um período anterior ao sensoriamento remoto por satélite em alta definição, o Brasil embarcou em uma das maiores aventuras científicas de sua história: o Projeto RADAM (Radar na Amazônia), posteriormente ampliado para RADAMBRASIL. Utilizando radar de abertura sintética (SAR) embarcado em aviões, o projeto sobrevoou sistematicamente mais de 8,5 milhões de km² do território nacional, penetrando a densa cobertura de nuvens e florestas da Amazônia e do Cerrado.

 

O resultado foi uma coleção inestimável de 40 volumes contendo mapas geológicos, de solos, de vegetação e de potencial mineral, em uma escala de detalhe sem precedentes. O RADAM não era um projeto de mineração, mas de identificação de alicerces e indícios geológicos. E foi exatamente nesse ponto que ele se tornou pioneiro para as terras raras.


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As Terras Raras no RADAM: A Pista, não a Mina

 

A pergunta central é: o RADAM identificou depósitos de terras raras? A resposta é sutil, porém afirmativa: sim, ele identificou as assinaturas geológicas e as províncias metalogenéticas favoráveis à sua ocorrência.


Os relatórios do RADAM não apontavam "aqui há uma mina de neodímio". Em vez disso, eles mapeavam complexos alcalinos, carbonatitos e sequências específicas de rochas que são, internacionalmente, reconhecidos como os hospedeiros clássicos de minerais de terras raras. Regiões como a Província Ígnea do Alto Paranaíba, partes do Cráton São Luís e diversas estruturas geológicas na Amazônia foram cartografadas e descritas como altamente prospectivas para minerais como pirocloro, monazita e bastnasita os principais portadores de terras raras.


Em outras palavras, o RADAM forneceu o mapa da caça ao tesouro. Ele disse aos geólogos e empresas: "Procurem aqui, neste tipo de rocha e nesta estrutura". Ele reduziu drasticamente o custo e o tempo da prospecção mineral de base, criando o conhecimento geológico fundamental sobre o qual qualquer projeto moderno de exploração se apoia.


O Esquecimento de um Legado


Apesar de sua imensa contribuição, o Projeto RADAM vive hoje um paradoxal e perigoso esquecimento. Seus relatórios, muitas vezes, estão relegados a estantes empoeiradas de bibliotecas universitárias ou a arquivos digitais de difícil acesso para o público geral e até para novos profissionais. O conhecimento gerado foi, de certa forma, "internalizado" pela comunidade geológica, mas sua história e sua importância estratégica são largamente ignoradas pela sociedade e pelos formuladores de políticas públicas.

 

Esse esquecimento tem consequências:

 

Reinvenção da Roda: Empresas e pesquisas atuais podem gastar recursos redescobrindo o que o RADAM já havia sinalizado há 50 anos.

 

Desconhecimento do Potencial: A narrativa de que o Brasil "não sabe" onde estão suas terras raras é falsa. Nós temos pistas sólidas; o que falta é investimento em prospecção de detalhe e em tecnologia de beneficiamento com base nesse conhecimento prévio.

 

Apagão da Memória Científica: Ignorar o RADAM é apagar a memória de uma época em que o Brasil foi ousado em seu investimento em ciência e tecnologia para a soberania nacional.

 

Conclusão: Desenterrar o Passado para Iluminar o Futuro

 

O Projeto RADAM Brasil foi muito mais do que um mero levantamento; foi a fundação do conhecimento geológico moderno do país. No que diz respeito às terras raras, ele não entregou as coordenadas de uma mina, mas algo talvez mais valioso a longo prazo: o conhecimento geossistêmico que orienta onde buscar.

 

Reverenciar e reavivar a memória do RADAM não é um exercício de saudosismo. É uma necessidade estratégica. Em um mundo que depende cada vez mais desses minerais críticos, o Brasil não pode se dar ao luxo de esquecer onde guardou o seu mapa de pistas. O futuro das nossas riquezas minerais, paradoxalmente, depende de quanto somos capazes de valorizar e construir sobre o trabalho monumental e esquecido do nosso passado.


O Professor e Engenheiro Geógrafo Amilton de Souza Rocha trabalhou na Fundação IBGE e é Gerente de Projetos em Geociências e  Metodologia  do Trabalho Científico

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